São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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PONTO DE FUGA

A figura e o fundo

JORGE COLI
especial para a Folha,
em Nova York



Alex Katz foi sempre fiel à figuração, mesmo nos anos de 1950, quando os abstratos imperavam. Seus quadros integraram, em composições calculadas, pessoas e paisagem. Mas o artista sempre pressupôs, também, a autonomia de ambos. Arrancou os personagens das telas, ao inventar os "cutouts": silhuetas achatadas de metal representavam, de costas e de frente, homens e mulheres compartilhando com o espectador o mesmo ambiente. Porém isolados em si, seus "cutouts" acusam uma dificuldade congênita em "fazer parte" de um meio, ao qual, no entanto, pertencem. Fechados no seu próprio contorno, que se extremou em recorte, pressupõem um mundo ao qual são irredutíveis. Nos últimos anos, Alex Katz inverteu a relação, dispondo, em telas imensas, esse mesmo mundo, agora vazio de personagens. São paisagens, urbanas ou naturais, tão grandes, que evocam o cinemascope. Não oferecem, porém, qualquer visão panorâmica. Mostram alguns reflexos sobre a água, alguns troncos ou galhos, algumas janelas de arranha-céus acesas na noite. As folhas vibrantes que respondem ao vento, a luz que atravessa uma vidraça impõem, poderosas, seus ritmos, suas transparências veladas, na grande escala das superfícies. Expostas atualmente na Malborough Gallery, em NY, é como se as telas circundassem o visitante, sugando-o para dentro de si. Assim, o espectador toma o lugar das figuras pintadas que faltam, transformando-se nos "cutouts" ausentes.

Punhos - "Alien 3" era eloquente como Wagner, "Seven" tinha um brilho perverso, "The Game", um rigor subestimado. "Clube da Luta", do mesmo autor, David Fincher, é diabolicamente inventivo. Seu estilo laça imediatamente o espectador. Muita tinta está correndo, e vai correr ainda, sobre o caráter ideológico do filme, mistura de espírito militarista com um anarquismo amável (o crítico de "Time Out" chegou a chamar o filme de "marxista!"). Mas ele atropela as ideologias por uma força viva e enérgica. As precauções em fazer com que a violência não seja para valer, como nas brigas de murros nos "saloons" dos velhos westerns, ou nos desenhos animados, mostram claramente o lado do bem e dispõem-se como álibis. A trama, esperta e astuciosa, também não é primordial; ela chega a parecer de um maneirismo um pouco inútil para as pulsões incontroláveis do filme. É uma história regressiva de homens-meninos, bonzinhos e inconformados, fisicamente ou socialmente emasculados, sentindo a necessidade imperiosa de reencontrarem-se num mundo próprio, onde uma "saudável" violência, sangrenta e regeneradora, é o núcleo.

Pacto - "Clube da Luta" desconfia do sentimentalismo. Ele se alimenta de uma sátira aguda, não muito profunda, mas bem-humorada. É talvez o mais "masculino" dos filmes, protestando contra as regras feminis e timoratas da sociedade. Brad Pitt e Edward Norton vibram de talento. Uma fraternidade promíscua os liga até o apogeu inesperado. Mas a primeira regra do "Clube da Luta" é: você não pode falar sobre o "Clube da Luta". Ela vale para os personagens e, também, para o público cúmplice.

Cabeleira - Neste final de século, as óperas de Handel voltaram definitivamente ao repertório dos grandes teatros. Cada vez mais, redescobre-se um modo leve e sutil de interpretá-las, muito diferente da velha maneira, solene, ampla e pomposa, que se fazia ainda 15 ou 20 anos atrás. Em NY, no ano passado, a Met apresentou "Giulio Cesare"; agora, a NYCO, segunda grande casa de ópera da cidade, retoma "Ariodante", ambas com vivacidade e finura na bossa, permitindo perceber os fios mágicos que ligaram Handel a Mozart.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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