|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PONTO DE FUGA
A figura e o fundo
JORGE COLI
especial para a Folha,
em Nova York
Alex Katz foi sempre fiel à figuração, mesmo nos anos de
1950, quando os abstratos imperavam. Seus quadros integraram, em composições calculadas, pessoas e paisagem.
Mas o artista sempre pressupôs, também, a autonomia de
ambos. Arrancou os personagens das telas, ao inventar os
"cutouts": silhuetas achatadas
de metal representavam, de
costas e de frente, homens e
mulheres compartilhando
com o espectador o mesmo
ambiente. Porém isolados em
si, seus "cutouts" acusam uma
dificuldade congênita em "fazer parte" de um meio, ao qual,
no entanto, pertencem. Fechados no seu próprio contorno,
que se extremou em recorte,
pressupõem um mundo ao
qual são irredutíveis. Nos últimos anos, Alex Katz inverteu a
relação, dispondo, em telas
imensas, esse mesmo mundo,
agora vazio de personagens.
São paisagens, urbanas ou naturais, tão grandes, que evocam o cinemascope. Não oferecem, porém, qualquer visão
panorâmica. Mostram alguns
reflexos sobre a água, alguns
troncos ou galhos, algumas janelas de arranha-céus acesas
na noite. As folhas vibrantes
que respondem ao vento, a luz
que atravessa uma vidraça impõem, poderosas, seus ritmos,
suas transparências veladas, na
grande escala das superfícies.
Expostas atualmente na Malborough Gallery, em NY, é como se as telas circundassem o
visitante, sugando-o para dentro de si. Assim, o espectador
toma o lugar das figuras pintadas que faltam, transformando-se nos "cutouts" ausentes.
Punhos - "Alien 3" era eloquente como Wagner, "Seven"
tinha um brilho perverso, "The
Game", um rigor subestimado.
"Clube da Luta", do mesmo
autor, David Fincher, é diabolicamente inventivo. Seu estilo
laça imediatamente o espectador. Muita tinta está correndo,
e vai correr ainda, sobre o caráter ideológico do filme, mistura de espírito militarista com
um anarquismo amável (o crítico de "Time Out" chegou a
chamar o filme de "marxista!"). Mas ele atropela as ideologias por uma força viva e
enérgica. As precauções em fazer com que a violência não seja para valer, como nas brigas
de murros nos "saloons" dos
velhos westerns, ou nos desenhos animados, mostram claramente o lado do bem e dispõem-se como álibis. A trama,
esperta e astuciosa, também
não é primordial; ela chega a
parecer de um maneirismo um
pouco inútil para as pulsões incontroláveis do filme. É uma
história regressiva de homens-meninos, bonzinhos e inconformados, fisicamente ou socialmente emasculados, sentindo a necessidade imperiosa
de reencontrarem-se num
mundo próprio, onde uma
"saudável" violência, sangrenta e regeneradora, é o núcleo.
Pacto - "Clube da Luta" desconfia do sentimentalismo. Ele
se alimenta de uma sátira aguda, não muito profunda, mas
bem-humorada. É talvez o
mais "masculino" dos filmes,
protestando contra as regras
feminis e timoratas da sociedade. Brad Pitt e Edward Norton
vibram de talento. Uma fraternidade promíscua os liga até o
apogeu inesperado. Mas a primeira regra do "Clube da Luta"
é: você não pode falar sobre o
"Clube da Luta". Ela vale para
os personagens e, também, para o público cúmplice.
Cabeleira - Neste final de século, as óperas de Handel voltaram definitivamente ao repertório dos grandes teatros.
Cada vez mais, redescobre-se
um modo leve e sutil de interpretá-las, muito diferente da
velha maneira, solene, ampla e
pomposa, que se fazia ainda 15
ou 20 anos atrás. Em NY, no
ano passado, a Met apresentou
"Giulio Cesare"; agora, a
NYCO, segunda grande casa
de ópera da cidade, retoma
"Ariodante", ambas com vivacidade e finura na bossa, permitindo perceber os fios mágicos que ligaram Handel a Mozart.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
Texto Anterior: Cinema: As relações oblíquas Próximo Texto: Artes plásticas: A travessia de Castelli Índice
|