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+Cultura
Sem censura
"Nós Vimos a Espanha Morrer" estuda a relação entre jornalismo e construção da história durante a Guerra Civil
JEREMY TREGLOWN
Entre os estrangeiros
idealistas, os aventureiros e os adeptos do
turismo de tragédias
que se despejaram na
Espanha durante a Guerra Civil (1936-39), cerca de mil tinham credenciais como correspondentes de guerra.
Em "We Saw Spain Die" [Nós
Vimos a Espanha Morrer, ed.
Constable & Robinson, 416
págs., 20, R$ 77], Paul Preston, historiador do período, explora as muitas ambigüidades
que a profissão deles suscitava.
Em que ponto o jornalismo
passional se torna propaganda? De que maneira a atitude
de reportagem é influenciada
pela posição política dos proprietários de jornais, anunciantes e lobistas?
E qual é a diferença entre um
correspondente internacional
e um espião?
Existem circunstâncias em
que suprimir a verdade é melhor do que relatá-la? E, diante
do partidarismo escancarado
da guerra, a que exatamente
servia a verdade, de qualquer
maneira?
Jay Allen, um amigo idealista
e gregário do escritor Ernest
Hemingway que assumiu o
posto do colega como correspondente europeu do "Chicago
Daily Tribune" na metade dos
anos 1920, teve de enfrentar a
maioria dessas questões.
Allen reportou uma das primeiras atrocidades cometidas
pelos partidários de Franco em
seu golpe contra o governo republicano eleito, quando centenas de simpatizantes do socialismo foram mortos a tiros
de metralhadora na arena de
touradas de Badajoz.
O artigo irado e preciso de
Allen encontrou ampla distribuição e exerceu grande impacto sobre a opinião de esquerda em todo o mundo.
Allen era um jornalista bem
relacionado em quase todos os
níveis da sociedade espanhola.
Mas, depois de publicar o artigo de Allen, o "Chicago Daily
Tribune" o demitiu.
Entre Franco e Stálin
A postura favorável aos republicanos assumida por ele era
desconfortável em uma época
em que as partes do Ocidente
que não estavam sob o domínio
de ditadores de direita faziam o
possível para apaziguá-los.
Pouco importa que acreditassem ou não no que Allen escreveu, as pessoas que estavam
no poder basicamente preferiam a idéia de Franco àquilo
que viam como a única alternativa: Stálin.
Porque suas palavras não tiveram efeito, Allen depois optou pela ação, trabalhando com
a Resistência francesa a fim de
ajudar soldados britânicos que
não haviam conseguido embarcar na retirada de Dunquerque
[França]. Parte da história que
Preston narra, portanto, envolve as limitações do jornalismo,
não apenas seus sucessos.
Contá-la requer a presença
de um grande elenco, que inclui
algumas mulheres bravas e glamourosas como [a escritora
norte-americana] Martha Gellhorn, bem como alguns homens excepcionalmente desagradáveis, entre os quais o abjeto William Carney, cujas reportagens em larga medida fictícias lhe eram transmitidas pelo
serviço de imprensa de Franco
e publicadas pelo "New York
Times" em nome do equilíbrio.
Preston não tem a competência narrativa para iluminar
algumas passagens biográficas
dessas figuras, como o livro de
Caroline Moorehead sobre Gellhorn ["Gellhorn"] ou o de Nicholas Rankin sobre Steer
["Telegram from Guernica"].
Mas seus conhecimentos factuais são imensos, e ele defende
que o que importa são os fatos.
No longo prazo
E isso explica a importância
de estudiosos estrangeiros que
trabalhavam sem censura, entre os quais os historiadores
que precederam Preston
-Hugh Thomas, Raymond
Carr e o extraordinário autodidata Herbert Southworth, a
quem o livro é dedicado e cuja
carreira ele vividamente relata.
O jornalismo pode fornecer
matéria-prima à história, mas
no longo prazo, diz Preston, o
que importa é a história.
JEREMY TREGLOWN é professor de inglês na
Universidade de Warwick (Reino Unido). A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Paulo Migliacci.
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