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+ Ciência
MEDO DE PENSAR
NOVA LEVA DE LIVROS DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL ATACA NOÇÃO DE QUE A RACIONALIDADE É JUIZ IMUNE A INFLUÊNCIAS
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DA REPORTAGEM LOCAL
Você acha que pode confiar
em seu próprio cérebro?"
A pergunta que Cordelia Fine lança a seus leitores no início de seu último livro já é praticamente uma tentativa de induzir uma resposta.
Quem sempre se considerou um animal racional tende a reavaliar o assunto num segundo, e talvez diga a si: "Não tenho certeza."
Contudo, por que alguém começaria a escrever um livro com essa frase, senão pelo propósito de de instigar o leitor com a perspectiva de uma
resposta negativa? Em "Idéias Próprias" (Difel, 2008), a psicóloga inglesa radicada na Universidade de
Melbourne (Austrália) trata de como
o desempenho real de nossos cérebros não corresponde mesmo àquilo
que desejamos.
Listando diversos experimentos
feitos à moda da psicologia cognitivo-comportamental americana, o
principal mérito do livro é incutir
dúvidas em quem quer que se considere imune à presunção, ao auto-engano, a preconceitos étnicos e a vícios morais de toda sorte.
A edição em português do livro de
Fine sai no mesmo ano em que foram lançados "Kluge" (Gambiarra),
de Gary Marcus, e "On Being Certain" (Sobre Ter Certeza), de Robert
Burton. Três livros talvez sejam uma
amostra pequena para apontar qualquer tendência acadêmica, mas todos são dedicados ao mesmo propósito. A ordem do dia parece ser denegrir a reputação da mente humana
como o instrumento capaz de atingir
conhecimentos objetivos e fazer julgamentos com alguma isenção.
Tomemos como exemplo um experimento simples e inofensivo, que
fazia duas perguntas a diversos jovens universitários: "Quão feliz é sua
vida?" e "Quantos encontros com garotas você teve no último ano?". Voluntários que respondiam ao questionário nessa ordem tinham muito
mais probabilidade de se declarar felizes do que os outros.
Certamente, a ordem das questões
não alterou a realidade anterior ao
teste nem a pontuação que cada voluntário atribuía à qualidade de sua
vida sexual. Mas a mera menção ao
assunto já fazia com que o tema fosse
considerado com maior peso na hora
de refletir sobre felicidade em termos genéricos.
Talvez seja mais perturbador, porém, saber que somos facilmente
manipuláveis, mesmo quando estão
em jogo decisões mais importantes.
Num clássico experimento realizado na Universidade de Yale, nos
EUA, um grupo de estudantes foi recrutado como auxiliar de um teste à
moda velho behaviorismo, mas que
aplicava choques em humanos em
vez de camundongos. Uma mulher
sentava-se em uma cadeira com eletrodos, que eram acionados cada vez
que ela errava respostas às perguntas
de um questionário oral.
Os estudantes eram solicitados pelos cientistas a aumentar a voltagem
do choque gradualmente, e 90% deles continuou obedecendo o pedido
mesmo após a pobre voluntária começar a ter espasmos de dor. Durante o teste, só não foi revelado aos estudantes que na verdade eles é que
eram as cobaias. A mulher era uma
atriz fingindo levar choques.
O experimento, afinal, confirmou
a hipótese de, em respeito à autoridade intelectual dos cientistas, os jovens estariam dispostos a violar a
própria convicção moral que haviam
declarado: a de que é errado agredir
pessoas em qualquer circunstância.
Fine, que também trabalha com
experimentos desse tipo, reconhece
que eles costumam ensinar uma segunda lição a todos: "jamais acredite
em um psicólogo social".
Viés de confirmação
Tanto Marcus quanto Burton e Fine são honestos em reconhecer, além
disso, que a própria ciência é com freqüência vítima dos truques que a
mente prega naqueles que crêem em
uma capacidade racional humana independente de emoções e influências externas -incluindo preconceitos- para emitir julgamentos.
Aparentemente, somos influenciáveis até mesmo pelo racismo alheio.
Num experimento recente, voluntários tinham de reagir num segundo a
uma foto e dizer se um homem com a
mão perto do bolso era ou não um
bandido sacando uma arma.
Imagens de negros tinham maior
probabilidade de ser injustamente
acusadas, mesmo nas fotos em que o
homem aparecia segurando um telefone celular. Mais estranho parece
ter sido o fato de que os próprios voluntários negros que observavam as
imagens apresentaram o mesmo viés
negativo, apenas em grau menor.
Não reconhecemos porém, nossas
fraquezas e preconceitos, como mostra um fenômeno que Marcus chama
de "viés de confirmação". Este é o nome dado à tendência de aceitar, sem
questionamento, qualquer argumento favorável a teorias que corroborem nossas opiniões. Evidências contrárias porém, são cuidadosamente
esquadrinhadas, até que se encontre
uma falha metodológica qualquer.
Obstetras americanos, por exemplo, levaram 25 anos para abrir mão
do exame de raio-X em grávidas, a
partir da data do primeiro estudo que
apontava risco de tumores para fetos,
na década de 1970. Só quando as evidências formavam uma pilha enorme de estudos é que as diretrizes clínicas foram alteradas nos EUA.
Se uma jovem psicóloga experimental aparece com uma teoria mostrando que o cérebro "fecha os olhos
para aquilo que não quer ver", alguém pode se lembrar, talvez não
sem razão, de um velho psicanalista:
o mais velho entre todos.
"Freud sugeriu que o ego "rejeita o
conceito inaceitável'", reconhece Fine, graduada em em 1995 na Universidade de Oxford, onde o pensamento do pai da psicanálise já tinha sido
praticamente banido. "Corria o boato de que, nas prateleiras da biblioteca, os empoeirados volumes de suas
obras completas estavam ligados a
um gerador. Qualquer pessoa que os
tocasse receberia um esclarecedor
choque elétrico -esta tão popular
ferramenta educacional dos psicólogos experimentais."
O reconhecimento de Fine ao papel do inconsciente não parece ser,
porém, sinal de que Freud reconquistou respeito em terras anglo-saxãs. "Inveja do pênis? Fala sério!",
exclama. Nem ela nem Marcus ou
Burton discutem se relatos anedóticos dos divãs e os experimentos com
choques podem um dia convergir.
Todos reconhecem, porém, que
psicólogos experimentais não são
imunes ao viés de confirmação. "Parte do pacote de vaidades e fraquezas
do cérebro humano é que secretamente duvidamos que sejamos vulneráveis a essas vaidades e fraquezas", diz Fine.
(RAFAEL GARCIA)
IDÉIAS PRÓPRIAS
Cordelia Fine; Difel. R$ 39,00. 272 págs.
KLUGE
Gary Marcus; Houghton Mifflin. US$
24,00. 224 págs.
ON BEING CERTAIN
Robert Burton; St. Martin's Press. R$
25,00. 272 págs.
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