São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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+ cultura

Um dos mais influentes compositores da música pop, o norte-americano fala do livro de fotografias que está lançando e de sua relação com os críticos

A ESTÉTICA APLICADA A O OLHAR

Simmy Richman
do "Independent"

Lou Reed tem uma reputação e tanto. O ex-vocalista do Velvet Underground, grupo de arte-rock de enorme influência nos anos 60, é famoso por não suportar alegremente os que considera imbecis. Na verdade, são muitas as entrevistas em que a palavra "monossilábico" tem quatro sílabas a mais do que qualquer coisa que Reed tem a oferecer. Muitos jornalistas foram correndo encontrar Reed pensando que iam encontrar o santo graal da música, apenas para perceber que o cálice estava envenenado.
É preciso esquecer qualquer pergunta sobre sua vida pessoal, que incluiu ou inspirou canções sobre o uso de heroína, travestis, sadomasoquismo, e sobre o encantamento do convívio com Andy Warhol e seus amigos da gravadora Factory. Reed não fala sobre nada disso. Não faz mal, nossa reunião foi marcada para discutir sua última empreitada, um livro de fotografias feitas por ele intitulado "Emotion in Action" [Emoção em Ação, ed. Thames & Hudson, 35 libras]. E a verdade é que, quando se encontra um tema com o qual Reed fica à vontade, ele pode ser divertido, simpático e apenas ocasionalmente dizer coisas espinhosas.

Fale-me sobre a idéia da "carona", de inserir um pequeno volume na parte recuada de um livro maior. É sua?
É claro. Eu adoro isso. É uma ótima maneira de fazer alguma coisa. Sabe, você tem uma versão para guardar no escritório, na mesa de cabeceira ou onde quiser e, depois, tem a pequena, para viagem. Não acredito que outras pessoas não estejam fazendo isso. Eu quero fazer um livro de imagens que não seja um livro, mas um CD para computador. É uma ótima maneira de ver as coisas. Porque é iluminado por trás - meu Deus! Gosto de inclinar meu laptop para trás até que a foto fique na posição que prefiro. Já ofendi todos os meus amigos fotógrafos dizendo isso, porque eles acham que isso torna a imagem imprecisa.

É uma lembrança da letra de "Some Kinda Love", do Velvet Underground-"entre idéia e expressão/ existe uma vida"?
Não que eu tivesse consciência disso na época, mas agora parece que sim. Mas é a mesma pessoa que escreveu, então é a mesma estética aplicada.

Ainda existe esse hiato ou isso ficou mais rápido com o passar dos anos?
Eu gostaria que fosse mais rápido -ele ri [ele ri!]-, e, se você souber uma maneira de acelerar, me avise.

E o que acontece se as emoções não levarem a ações?
Aí acho que você explode [diz o homem que aos 17 anos foi submetido a terapias de eletrochoque porque seus pais o mandaram a um psiquiatra para ser curado de oscilações de humor e sentimentos de homossexualidade].

Qual a emoção mais difícil de fotografar?
Bem, essa é uma das coisas ótimas de tirar fotos. Eu adoro fotografar os olhos do meu cachorro, porque eles não são um tema óbvio, e a quantidade de emoção que pode aparecer lá é surpreendente. Todos sabemos disso na vida real; quando uma pessoa sabe mentir, pode controlar seus olhos.

E o que está acontecendo por trás dos olhos dos pássaros nas suas fotos?
Eles são completamente malucos. Posso ficar olhando esses olhos para sempre. É isso o que eu queria deles, o que estava enfocando.

Parecem bastante sinistros...
Oh, eu jamais tentaria antropomorfizar... Mas deixe-me dar um exemplo de uma coisa -uma pessoa me disse: "Linda foto. O pássaro é empalhado?". E eu coloco isso no topo de um certo tipo de comentário que eu esperaria de um crítico de rock.

Ah, os críticos de rock. Eu não ia levantar o assunto, mas, já que você o fez, o que há neles que o irrita tanto?
Bem [ele se recosta na cadeira para pensar], não sou fã dos críticos. Mas na verdade tive muitos amigos ao longo dos anos que são críticos, e eles realmente podem indicar coisas interessantes e notáveis que você não tinha percebido. Estou apenas dizendo que, de todas as coisas incrivelmente imbecis para se dizer, pensar que aquele pássaro não está vivo...

Existe uma ligação entre as fotos de pássaros e o fato de que seu último disco se chamou "The Raven" [O Corvo]?
Ah, essa foto foi tirada muito tempo antes do disco.

Quanto tempo?
Não sei, para dizer a verdade. Eu não as dato.

Voltando aos críticos, você, como artista, certamente não precisa provar mais nada.
Tenho muitas coisas para provar. Coisas técnicas. Sou um pouco disléxico, por isso é muito difícil para mim ler manuais. Então ao longo dos anos sempre tive alguém que sabe fazer uma coisa para me mostrar como fazê-la. Quer dizer, eu vivo com base na intuição, e tirar fotos é intuitivo, mas não há como escapar dos aspectos técnicos da coisa hoje em dia.

A tecnologia mudou a fotografia tanto quanto mudou a música?
Os processos digital e analógico são apenas diferentes. São uma maçã e uma laranja.

Os Velvets se tornariam digitais se ainda existissem?
Bem, recentemente lancei uma coletânea chamada "New York City Man", na qual remasterizei algumas faixas que achei que se beneficiariam das últimas tecnologias. Existe uma faixa do Velvet chamada "I'm Waiting for the Man", e em todas as outras versões dela em CD você não conseguia ouvir o piano que entra no final. Mas agora pode.

Sendo um homem de Nova York, já lhe pediram para comentar o 11 de Setembro e tudo o que tem acontecido desde então?
Estávamos na cidade trabalhando em "The Raven" quando aconteceu aquilo, e tudo o que tenho a dizer está em uma música daquele disco chamada "Fire Music". Por isso, se você quiser saber o que pensei, está expresso na música. Sem querer parecer elitista, escute-a com alto-falantes decentes.

Que música você está ouvindo agora? [De repente Reed fica animado, excitado e vivo de uma maneira que eu jamais pensaria ser possível.]
"Hey Ya!", do Outkast! É um dos melhores discos. No minuto em que você o escuta, salta sobre os pés e tudo fica bem no mundo. E isso é rock and roll.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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