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Um passeio pela off off Bienal
Em zona nobre da capital paulista, alameda movimenta mercado de arte "média"
sob encomenda, dirigida a apartamentos, saguões de edifícios e consultórios
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Meca da decoração em São
Paulo, Gabriel
Monteiro da
Silva é também
um sintoma do gosto da elite
paulistana para arte. Um passeio pela alameda possibilita
ver o tipo de pintura e de obras
em papel que atrai os consumidores -tanto nas lojas de decoração, que em geral também
comercializam arte, quanto
nas galerias e lojas de molduras
e pôsteres.
O conhecido clichê da escolha de uma tela para combinar
com a cor do sofá não é mentira, atestam os gerentes de várias lojas visitadas pela reportagem da Folha.
Os estabelecimentos da Gabriel Monteiro oferecem grande diversidade: há desde a galeria Slaviero & Guedes, que intercala exposições de arte acadêmica e moderna (que são as
de predileção do público) com
exposições de arte contemporânea, como a de Oscar Cesarotto, que abre nesta semana
como evento paralelo à Bienal,
até as lojas que vendem múltiplos, nas quais pôsteres de
Britto são uma constante.
Ao gosto do freguês
As lojas de decoração também apresentam perfis bastante diversificados, desde a sisuda
Claridge, onde a venda de obras
de arte corresponde a 15% dos
pacotes de decoração (jogos de
sala de estar e jantar etc.), até a
descontraída Art de Vie, que assume a escolha por quadros decorativos com preços mais em
conta para a clientela jovem.
A tradicional Armando Cerello mantém consignação com
diversos artistas, oferecendo
arte que combina com diferentes estilos de decoração, assim
como a galeria Nova André, que
tem obras para todos os gostos
e costuma trabalhar prestando
assessoria completa aos clientes: partindo do projeto do arquiteto, identifica o perfil do
comprador e oferece diferentes
opções de pinturas e esculturas. Há clientes que só vêem a
casa pronta, cheia de obras escolhidas pela galeria (e, em geral, aprovam tudo).
Fernando Cocchiarale explica o abismo existente entre a
arte contemporânea e as escolhas individuais para decorar as
paredes de casas e escritórios
pela rotatividade das elites: "O
dinheiro muda de mão mais rapidamente que a informação. O
calcanhar-de-aquiles das elites
brasileiras é a parede de suas
casas e condomínios".
"Baita arrogância"
Rafael Campos Rocha explica esse abismo pelo fato de a arte ser uma relação, e não uma
coisa em si: "Como a qualidade
da obra não vem de qualquer
característica intrínseca a ela,
mas da relação criada pelo usufruidor, suas escolhas estéticas
são resultado da sua vida cultural como um todo em contato
com o artefato em questão".
Para Agnaldo Farias, "a velha
desinformação de sempre do
que seja arte e, mais ainda, arte
contemporânea, aliada a uma
baita arrogância, que serve para
empurrar a ignorância para o
âmbito da burrice", explica o
abismo.
"Não é incrível que as pessoas não tenham a mesma desenvoltura e auto-suficiência
no que se refere à compra de
um sofá ou de um tapete, quando, então, se servem de profissionais especializados, como
decoradores e arquitetos? Mas,
em se tratando de arte, vão
adiante no mais puro estilo
"deixa que eu chuto", não se
dando ao ingente esforço de estudar um pouco o assunto. Fica-se então com o, digamos assim, clássico. Mas, como o clássico é caro, desviam-se logo para a diluição do clássico, campo
fértil para aberrações e para essas galerias de horrores que são
os saguões de prédios e mesmo
de algumas lojas de decoração",
afirma o curador do Instituo
Tomie Ohtake.
Arte na novela das oito
Outro sintoma do gosto "médio" é a escolha de modernistas
para decorar a galeria de arte
ficcional da novela dos oito da
Globo. "O Brasil é notório pelo
elitismo, pelo acesso restrito à
cultura. Nossa sociedade foi
formada com uma distinção
muito clara entre uma minoria
privilegiada e uma maioria desvalida. Esse é um legado difícil
de ser superado. Basta olharmos para a escassez de boas bibliotecas até mesmo nas universidades. O ensino de arte em
grande parte das escolas significa aprender a fazer pintura a
dedo ou, quando o currículo
permite, a aprender um pouco
sobre arte até o modernismo.
Se não for em casa, na escola ou
no trabalho, onde a maioria das
pessoas irá encontrar uma porta de entrada para a arte? Notamos que pela TV também não
se dará essa inserção nas discussões da arte e muito menos
da contemporaneidade. As matérias televisivas apóiam-se no
lado mais pitoresco ou mesmo
"estranho" e "engraçado" das
obras", afirma Cristiana Tejo.
Para o crítico de arte e curador carioca Luiz Camillo Osório, "quando a arte contemporânea estiver na novela das oito, ou acabou a arte ou acabou a
novela. A informação do público médio não melhora com a
novela das oito, mas com políticas educacionais e culturais
que ampliem o acesso aos museus e o desenvolvimento de
coleções públicas".
(JM)
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