São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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Um passeio pela off off Bienal

Em zona nobre da capital paulista, alameda movimenta mercado de arte "média" sob encomenda, dirigida a apartamentos, saguões de edifícios e consultórios

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Meca da decoração em São Paulo, Gabriel Monteiro da Silva é também um sintoma do gosto da elite paulistana para arte. Um passeio pela alameda possibilita ver o tipo de pintura e de obras em papel que atrai os consumidores -tanto nas lojas de decoração, que em geral também comercializam arte, quanto nas galerias e lojas de molduras e pôsteres.
O conhecido clichê da escolha de uma tela para combinar com a cor do sofá não é mentira, atestam os gerentes de várias lojas visitadas pela reportagem da Folha.
Os estabelecimentos da Gabriel Monteiro oferecem grande diversidade: há desde a galeria Slaviero & Guedes, que intercala exposições de arte acadêmica e moderna (que são as de predileção do público) com exposições de arte contemporânea, como a de Oscar Cesarotto, que abre nesta semana como evento paralelo à Bienal, até as lojas que vendem múltiplos, nas quais pôsteres de Britto são uma constante.

Ao gosto do freguês
As lojas de decoração também apresentam perfis bastante diversificados, desde a sisuda Claridge, onde a venda de obras de arte corresponde a 15% dos pacotes de decoração (jogos de sala de estar e jantar etc.), até a descontraída Art de Vie, que assume a escolha por quadros decorativos com preços mais em conta para a clientela jovem.
A tradicional Armando Cerello mantém consignação com diversos artistas, oferecendo arte que combina com diferentes estilos de decoração, assim como a galeria Nova André, que tem obras para todos os gostos e costuma trabalhar prestando assessoria completa aos clientes: partindo do projeto do arquiteto, identifica o perfil do comprador e oferece diferentes opções de pinturas e esculturas. Há clientes que só vêem a casa pronta, cheia de obras escolhidas pela galeria (e, em geral, aprovam tudo).
Fernando Cocchiarale explica o abismo existente entre a arte contemporânea e as escolhas individuais para decorar as paredes de casas e escritórios pela rotatividade das elites: "O dinheiro muda de mão mais rapidamente que a informação. O calcanhar-de-aquiles das elites brasileiras é a parede de suas casas e condomínios".

"Baita arrogância"
Rafael Campos Rocha explica esse abismo pelo fato de a arte ser uma relação, e não uma coisa em si: "Como a qualidade da obra não vem de qualquer característica intrínseca a ela, mas da relação criada pelo usufruidor, suas escolhas estéticas são resultado da sua vida cultural como um todo em contato com o artefato em questão".
Para Agnaldo Farias, "a velha desinformação de sempre do que seja arte e, mais ainda, arte contemporânea, aliada a uma baita arrogância, que serve para empurrar a ignorância para o âmbito da burrice", explica o abismo.
"Não é incrível que as pessoas não tenham a mesma desenvoltura e auto-suficiência no que se refere à compra de um sofá ou de um tapete, quando, então, se servem de profissionais especializados, como decoradores e arquitetos? Mas, em se tratando de arte, vão adiante no mais puro estilo "deixa que eu chuto", não se dando ao ingente esforço de estudar um pouco o assunto. Fica-se então com o, digamos assim, clássico. Mas, como o clássico é caro, desviam-se logo para a diluição do clássico, campo fértil para aberrações e para essas galerias de horrores que são os saguões de prédios e mesmo de algumas lojas de decoração", afirma o curador do Instituo Tomie Ohtake.

Arte na novela das oito
Outro sintoma do gosto "médio" é a escolha de modernistas para decorar a galeria de arte ficcional da novela dos oito da Globo. "O Brasil é notório pelo elitismo, pelo acesso restrito à cultura. Nossa sociedade foi formada com uma distinção muito clara entre uma minoria privilegiada e uma maioria desvalida. Esse é um legado difícil de ser superado. Basta olharmos para a escassez de boas bibliotecas até mesmo nas universidades. O ensino de arte em grande parte das escolas significa aprender a fazer pintura a dedo ou, quando o currículo permite, a aprender um pouco sobre arte até o modernismo. Se não for em casa, na escola ou no trabalho, onde a maioria das pessoas irá encontrar uma porta de entrada para a arte? Notamos que pela TV também não se dará essa inserção nas discussões da arte e muito menos da contemporaneidade. As matérias televisivas apóiam-se no lado mais pitoresco ou mesmo "estranho" e "engraçado" das obras", afirma Cristiana Tejo.
Para o crítico de arte e curador carioca Luiz Camillo Osório, "quando a arte contemporânea estiver na novela das oito, ou acabou a arte ou acabou a novela. A informação do público médio não melhora com a novela das oito, mas com políticas educacionais e culturais que ampliem o acesso aos museus e o desenvolvimento de coleções públicas". (JM)


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