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O muro interior
O HISTORIADOR ERIC HOBSBAWM DIZ QUE A QUEDA DO MURO DE BERLIM, EM 9/11/1989, DESESTABILIZOU A ORDEM MUNDIAL E CRIOU UM ESTADO GENERALIZADO DE INSEGURANÇA
7.out.1961/Associated Press
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O muro é aumentado do lado leste de
Berlim
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!
Ícone da historiografia de
esquerda, o britânico Eric
Hobsbawm não perdoa:
para ele, o principal efeito
da queda do Muro de Berlim, em 1989, foi a desestabilização da geopolítica mundial
em prol da única superpotência remanescente -os EUA.
Como consequência, o mundo se tornou mais perigoso.
Em "A Era dos Extremos"
(Cia. das Letras), ele já defendera os desdobramentos da
queda do muro como cruciais
para o século 20. Mais do que
isso: cruciais para encerrá-lo
antes da hora. Daí o termo que
cunhou, "breve século 20".
Já do ponto de vista econômico, Hobsbawm afirma que o
pós-1989 levou a um recorde
de desigualdade social nos países da antiga Cortina de Ferro
-termo que designava, durante a Guerra Fria, os países comunistas europeus sob influência soviética.
Sobre Berlim, cidade que
cristalizou a derrocada da velha ordem e o início da nova, o
pensador se mostra decepcionado, na entrevista que concedeu por e-mail à Folha.
Apesar de haver se tornado a
capital do Estado mais rico da
União Europeia, Berlim não se
tornou a virtual capital da Europa -como se esperava 20
anos atrás- nem ficou à altura
de seu glorioso passado anterior à ascensão do Terceiro
Reich (1933).
Coerente, Hobsbawm vê a
crise financeira que assolou os
mercados financeiros em 2008
como o "Muro de Berlim do
neoliberalismo". Ele detecta
nesse aparente revés capitalista a possibilidade de rearticulação do pensamento de esquerda -mas desta vez, alerta, em
bases "mais realistas".
FOLHA - Passados 20 anos, qual é o
legado político e econômico da queda do Muro de Berlim?
ERIC HOBSBAWM - O legado econômico é certamente menos
dramático do que o político.
Economicamente, significou a
destruição do que restara de
um sistema socialista planejado na União Soviética e na Europa do leste -que já estava em
declínio- e a integração da antiga região socialista à economia capitalista global.
Isso levou a um colapso social e econômico na ex-União
Soviética, embora, posteriormente, a Rússia e algumas ex-repúblicas soviéticas tenham
visto alguma recuperação, baseada nos altos preços da energia e dos insumos industriais.
Com algumas exceções, a região provavelmente permanece, em termos relativos, mais
atrás do Ocidente do que estava
antes da queda do muro. Ela
desenvolveu um nível chocante
de desigualdade econômica.
Os efeitos políticos, por sua
vez, têm sido enormes. Eles reduziram a Rússia de superpotência a um Estado não maior
do que era no século 17.
Além disso, a União Europeia
saltou de 15 para 27 Estados, e
foi criada uma Alemanha unificada no coração do bloco.
Também foi reintroduzida a
guerra [conflito nos Bálcãs nos
anos 90] e a instabilidade política na Europa, após o colapso
do único Estado comunista, a
Iugoslávia. Isso acabou por tornar os Bálcãs mais "balcanizados" do que antes.
Outro efeito da queda do muro foi a destruição de um sistema internacional estável.
Isso porque se atribuiu aos
EUA a ilusão de que poderiam,
como única superpotência global, exercer sua hegemonia no
mundo todo -o que acabou por
transformar o mundo no lugar
perigoso de hoje em dia.
FOLHA - Berlim não se tornou uma
das principais capitais europeias, como se previa 20 anos atrás, e a Alemanha, embora rica, foi há pouco
superada economicamente pela
China. Nesse sentido, a queda do
muro foi um fracasso?
HOBSBAWM - Berlim não se tornou uma grande capital europeia porque a reunificação política das Alemanhas Ocidental e
Oriental não teve como recriar
um país genuinamente unido.
A antiga Alemanha Oriental
-embora seus habitantes estejam hoje muito melhor do que
estavam antes de 1989- perdeu sua base econômica para a
Alemanha Ocidental. Além disso, apresenta índices de desemprego elevados e continua a
perder sua população para a
antiga Alemanha Ocidental.
Berlim tem muito poucos habitantes para uma cidade com
sua importância histórica.
Para quem a visita, ela parece
uma pessoa encolhida usando
um sobretudo grande demais
para seu peso atual. Culturalmente, nunca reconquistou a
posição que detinha entre 1871
[quando o Império Germânico
inaugurou o Segundo Reich] e a
ascensão de Hitler [em 1933].
Isso não quer dizer que a Alemanha como um todo esteja
em declínio. Ela, por exemplo,
não pode ser comparada com a
China (80 milhões de habitantes contra 1,3 bilhão). Mesmo
com um PIB maior do que o da
Alemanha, a China é muito menos desenvolvida, muito mais
pobre e menos capaz em áreas
como tecnologia de ponta.
Se há perigos futuros para a
Alemanha como potência econômica, eles nascem da relativa
lentidão do desenvolvimento
econômico da UE.
FOLHA - A queda do muro representou o colapso do pensamento de
esquerda?
HOBSBAWM - Ela simbolizou,
mas não foi a causa, da crise do
pensamento de esquerda, que
já vinha desde os anos 1970.
Estritamente falando, ela
apenas demoliu a crença de que
o socialismo de corte soviético
(economia planificada comandada por um Estado centralizador que eliminou o mercado e a
iniciativa privada) era uma forma factível de socialismo.
Na verdade, como foi a única
tentativa de realizar o socialismo na prática, seu fracasso desencorajou os socialistas como
um todo -embora a maior parte deles tenha sido crítica do
sistema soviético.
Entretanto as raízes da crise
da esquerda retrocedem ainda
mais. Ela ainda não chegou ao
fim, mas o colapso do capitalismo financeiro global em 2008-9 -que foi uma espécie de queda do Muro de Berlim para a
ideologia neoliberal- oferece
uma chance de reabrir as perspectivas para a esquerda. Mas,
espera-se, em uma base mais
realista do que no passado.
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