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Onde eu estava quando o muro caiu
por Silviano Santiago, crítico
"Devia estar no Rio, onde moro.
Nenhuma associação estranha
me surge na memória. Acresce o
fato de que pouco me assustei
com as manchetes do dia.
Era o esperado (pelo menos, para mim).
Poucos sabem que, poucos meses antes, tendo ido à Alemanha
Oriental visitar um colega da
Universidade Humboldt, fui detido na fronteira pela Stasi [polícia política da Alemanha Oriental] e levado a um cubículo do tipo três por quatro metros quadrados, onde fui interrogado em
espanhol por dois oficiais.
Eu havia comprado fitas cassete
com música clássica numa loja
do bulevar Unter den Linden e
acreditavam que trazia mensagens gravadas para o Ocidente.
Meu pacote com as fitas, um dicionário e a nota de compras foram confiscados.
Depois de analisados em outro
local, devolveram-me os pertences e me liberaram.
A brincadeira de mau gosto durou uma boa hora e ela, sim, me
assustou. Tendo chegado a tal
ponto a espionagem política e a
paranoia, esperava a queda iminente do Muro de Berlim."
por Ferreira Gullar, poeta
"Não me lembro exatamente onde eu estava em novembro de
1989, devia estar no Rio de Janeiro. Recebi a notícia da queda
do muro como algo muito importante. Era realmente o fim do
sistema [socialista].
Sua queda foi o resultado de todo o processo de derrocada do
socialismo real. A esquerda foi
atingida e perdeu a perspectiva:
ela não imagina mais que, após a
derrocada do sistema socialista,
vá fazer a revolução."
por Cildo Meireles, artista
"Cerca de um mês antes da queda do muro, eu almocei em São
Paulo com Joachim Sartorius
[então diretor do programa de
artistas do Serviço Alemão de
Intercâmbio Acadêmico]. Ele
propôs que eu tentasse esse
programa.
Combinei de ligar para ele da Europa, pois iria para a França. Estava em Paris no dia da queda do
muro, mas fui dormir sem saber
da notícia.
No dia seguinte, liguei para o
Sartorius e ouvi a hesitação em
sua voz. Senti que algo ocorrera.
Depois fui saber que não só o
muro havia sido derrubado, como o escritório da organização
tinha vista para o muro. Claro,
não era só para eles que muita
coisa iria mudar..."
por Eduardo Coutinho, cineasta
"Acho que eu estava no Rio de
Janeiro. Não fiquei eufórico.
Houve uma "implosão". O socialismo já estava caindo aos pedaços e a queda do muro foi a culminação. Em 1968, eu estava em
Praga [capital da Tchecoslováquia] e presenciei a invasão soviética. Percebi que aquilo não
poderia durar.
No entanto ninguém previa que
o muro cairia. A esquerda teve
que começar do zero.
Eu estive em Berlim antes do
muro, em 1957. Fiquei numa
pensão em Berlim Ocidental. Era
uma outra época.
Depois disso, estive [novamente
na cidade] no festival de cinema,
em 1985, mas não tive nenhuma
impressão do muro. Berlim [Ocidental] era então uma cidade
muito liberal, muito aberta.
A queda foi a culminação de um
processo. É símbolo de algo que
já estava em decomposição."
Leia outros textos
sobre os 20 anos da
queda do muro
www.folha.com.br/0930918
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