São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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Onde eu estava quando o muro caiu

por Silviano Santiago, crítico
"Devia estar no Rio, onde moro. Nenhuma associação estranha me surge na memória. Acresce o fato de que pouco me assustei com as manchetes do dia.
Era o esperado (pelo menos, para mim).
Poucos sabem que, poucos meses antes, tendo ido à Alemanha Oriental visitar um colega da Universidade Humboldt, fui detido na fronteira pela Stasi [polícia política da Alemanha Oriental] e levado a um cubículo do tipo três por quatro metros quadrados, onde fui interrogado em espanhol por dois oficiais.
Eu havia comprado fitas cassete com música clássica numa loja do bulevar Unter den Linden e acreditavam que trazia mensagens gravadas para o Ocidente. Meu pacote com as fitas, um dicionário e a nota de compras foram confiscados.
Depois de analisados em outro local, devolveram-me os pertences e me liberaram.
A brincadeira de mau gosto durou uma boa hora e ela, sim, me assustou. Tendo chegado a tal ponto a espionagem política e a paranoia, esperava a queda iminente do Muro de Berlim."

por Ferreira Gullar, poeta
"Não me lembro exatamente onde eu estava em novembro de 1989, devia estar no Rio de Janeiro. Recebi a notícia da queda do muro como algo muito importante. Era realmente o fim do sistema [socialista].
Sua queda foi o resultado de todo o processo de derrocada do socialismo real. A esquerda foi atingida e perdeu a perspectiva: ela não imagina mais que, após a derrocada do sistema socialista, vá fazer a revolução."

por Cildo Meireles, artista
"Cerca de um mês antes da queda do muro, eu almocei em São Paulo com Joachim Sartorius [então diretor do programa de artistas do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico]. Ele propôs que eu tentasse esse programa.
Combinei de ligar para ele da Europa, pois iria para a França. Estava em Paris no dia da queda do muro, mas fui dormir sem saber da notícia.
No dia seguinte, liguei para o Sartorius e ouvi a hesitação em sua voz. Senti que algo ocorrera. Depois fui saber que não só o muro havia sido derrubado, como o escritório da organização tinha vista para o muro. Claro, não era só para eles que muita coisa iria mudar..."

por Eduardo Coutinho, cineasta
"Acho que eu estava no Rio de Janeiro. Não fiquei eufórico. Houve uma "implosão". O socialismo já estava caindo aos pedaços e a queda do muro foi a culminação. Em 1968, eu estava em Praga [capital da Tchecoslováquia] e presenciei a invasão soviética. Percebi que aquilo não poderia durar.
No entanto ninguém previa que o muro cairia. A esquerda teve que começar do zero.
Eu estive em Berlim antes do muro, em 1957. Fiquei numa pensão em Berlim Ocidental. Era uma outra época.
Depois disso, estive [novamente na cidade] no festival de cinema, em 1985, mas não tive nenhuma impressão do muro. Berlim [Ocidental] era então uma cidade muito liberal, muito aberta.
A queda foi a culminação de um processo. É símbolo de algo que já estava em decomposição."


Leia outros textos sobre os 20 anos da queda do muro

www.folha.com.br/0930918


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