São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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'A morte seria um alívio'

"CARTAS À MÃE" TRAZ O DEPOIMENTO DA POLÍTICA INGRID BETANCOURT, MANTIDA REFÉM PELAS FARC HÁ SEIS ANOS

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

A cada aniversário de algum de seus filhos, Ingrid Betancourt canta "Happy Birthday" diante de um prato de feijão com arroz, no meio da selva colombiana. No começo, conta, os guerrilheiros permitiam que ela fizesse um bolo de aniversário, mas já não é mais assim.
A íntegra da carta que a política franco-colombiana, mantida há seis anos como refém pelas Farc, escreveu em 24 de outubro de 2007, destinada à sua mãe, Yolanda Pulecio, e aos filhos Mélanie e Lorenzo, acaba de ser editada no Brasil.
"Cartas à Mãe - Direto do Inferno" (ed. Agir, 87 págs., R$ 19,90) reproduz as doze páginas manuscritas por Betancourt, 46.
Juntamente com um vídeo que foi amplamente divulgado pela mídia -no qual Betancourt aparece magérrima e de olhar cabisbaixo- , ambos compõem o retrato de uma mulher desesperançada e em profunda depressão.
Quem acompanhou a libertação feliz, mas controversa, de suas colegas de cativeiro, Clara Rojas e Consuelo Gonzalez, pode perceber como a saúde e o estado psicológico de Betancourt estão fragilizados.
As primeiras exibiam desde a primeira imagem divulgada boa forma física e, de modo geral, nenhum indício de terem sofrido traumas muito graves do ponto de vista mental.

Percepção abalada
Já Betancourt demonstra, na carta, que sua percepção do mundo está abalada. E que suas forças se esvaem. Conta que anda com dificuldade e lhe custa acompanhar o grupo nas caminhadas pela floresta. Até porque é obrigada a carregar seus poucos pertences quando isso acontece. Enumera seus pertences: um pequeno armário onde guarda uma mochila com roupas e a Bíblia, que chama de "único luxo".
No início, disse que fazia exercícios físicos e até nadava em alguns dos acampamentos. Mas, agora, não sente vontade. Parou de comer, perdeu o apetite, enquanto seus cabelos caem copiosamente. Por fim, admite que sua morte "seria um alívio para todo mundo".
No prefácio do livro, o Nobel da Paz Elie Wiesel diz que os desejos da prisioneira são "simples e perturbadores".
O texto começa com o seguinte cabeçalho: "Selva colombiana, quarta-feira, 24 de outubro, às 8h34, uma manhã chuvosa, como a minha alma".

Sem política
A partir daí, Betancourt se dirige à mãe e aos filhos pedindo que eles não deixem de mandar mensagens pelos programas de rádio que chegam à selva.
Pede também que protejam John Frank Pinchao, policial colombiano que foi refém das Farc durante quase nove anos e que conseguiu escapar no ano passado. Era um dos principais companheiros de Betancourt nos últimos tempos.
Cheia de mensagens pessoais a parentes e amigos, a carta pouco ou nada diz sobre política. Nesse caso, duas explicações são possíveis: ou as Farc não a deixariam passar caso estivesse carregada de mensagens desse naipe ou a ex-candidata à Presidência já não se preocupa mais com esse tema.
Quando menciona líderes internacionais relacionados com seu caso, mesmo díspares ideologicamente, como Chávez, Sarkozy ou Bush, apenas consegue elogiá-los pelos "esforços" em salvar os reféns.
A edição vem acompanhada de um texto-resposta dos filhos Mélanie e Lorenzo Delloye-Betancourt, assim como um posfácio de Francisco Carlos Teixeira da Silva, da Universidade de Brasília.
Seja qual for o desenlace da atual crise na região, as cartas de Betancourt ficarão como um dos mais dramáticos documentos históricos desse episódio.


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