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'A morte seria um alívio'
"CARTAS À MÃE" TRAZ O DEPOIMENTO DA POLÍTICA INGRID BETANCOURT, MANTIDA REFÉM PELAS FARC HÁ SEIS ANOS
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
A cada aniversário de
algum de seus filhos, Ingrid Betancourt canta "Happy
Birthday" diante de
um prato de feijão com arroz,
no meio da selva colombiana.
No começo, conta, os guerrilheiros permitiam que ela fizesse um bolo de aniversário,
mas já não é mais assim.
A íntegra da carta que a política franco-colombiana, mantida há seis anos como refém pelas Farc, escreveu em 24 de outubro de 2007, destinada à sua
mãe, Yolanda Pulecio, e aos filhos Mélanie e Lorenzo, acaba
de ser editada no Brasil.
"Cartas à Mãe - Direto do Inferno" (ed. Agir, 87 págs., R$
19,90) reproduz as doze páginas manuscritas por Betancourt, 46.
Juntamente com um vídeo
que foi amplamente divulgado
pela mídia -no qual Betancourt aparece magérrima e de
olhar cabisbaixo- , ambos
compõem o retrato de uma
mulher desesperançada e em
profunda depressão.
Quem acompanhou a libertação feliz, mas controversa, de
suas colegas de cativeiro, Clara
Rojas e Consuelo Gonzalez, pode perceber como a saúde e o
estado psicológico de Betancourt estão fragilizados.
As primeiras exibiam desde a
primeira imagem divulgada
boa forma física e, de modo geral, nenhum indício de terem
sofrido traumas muito graves
do ponto de vista mental.
Percepção abalada
Já Betancourt demonstra, na
carta, que sua percepção do
mundo está abalada. E que suas
forças se esvaem. Conta que
anda com dificuldade e lhe custa acompanhar o grupo nas caminhadas pela floresta. Até
porque é obrigada a carregar
seus poucos pertences quando
isso acontece. Enumera seus
pertences: um pequeno armário onde guarda uma mochila
com roupas e a Bíblia, que chama de "único luxo".
No início, disse que fazia
exercícios físicos e até nadava
em alguns dos acampamentos.
Mas, agora, não sente vontade.
Parou de comer, perdeu o apetite, enquanto seus cabelos
caem copiosamente. Por fim,
admite que sua morte "seria
um alívio para todo mundo".
No prefácio do livro, o Nobel
da Paz Elie Wiesel diz que os
desejos da prisioneira são "simples e perturbadores".
O texto começa com o seguinte cabeçalho: "Selva colombiana, quarta-feira, 24 de
outubro, às 8h34, uma manhã
chuvosa, como a minha alma".
Sem política
A partir daí, Betancourt se dirige à mãe e aos filhos pedindo
que eles não deixem de mandar
mensagens pelos programas de
rádio que chegam à selva.
Pede também que protejam
John Frank Pinchao, policial
colombiano que foi refém das
Farc durante quase nove anos e
que conseguiu escapar no ano
passado. Era um dos principais
companheiros de Betancourt
nos últimos tempos.
Cheia de mensagens pessoais
a parentes e amigos, a carta
pouco ou nada diz sobre política. Nesse caso, duas explicações são possíveis: ou as Farc
não a deixariam passar caso estivesse carregada de mensagens desse naipe ou a ex-candidata à Presidência já não se
preocupa mais com esse tema.
Quando menciona líderes internacionais relacionados com
seu caso, mesmo díspares ideologicamente, como Chávez,
Sarkozy ou Bush, apenas consegue elogiá-los pelos "esforços" em salvar os reféns.
A edição vem acompanhada
de um texto-resposta dos filhos
Mélanie e Lorenzo Delloye-Betancourt, assim como um posfácio de Francisco Carlos Teixeira da Silva, da Universidade
de Brasília.
Seja qual for o desenlace da
atual crise na região, as cartas
de Betancourt ficarão como um
dos mais dramáticos documentos históricos desse episódio.
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