São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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Debate emperrado

Os autores de "Gilberto Freyre - Uma Biografia Cultural" rebatem as críticas feitas a seu livro no Mais! de domingo passado

ENRIQUE RODRÍGUEZ LARRETA
GUILLERMO GIUCCI
ESPECIAL PARA A FOLHA

L ivros que fazem a diferença tendem a gerar polêmica. Ao final de sua resenha de nosso livro "Gilberto Freyre -Uma Biografia Cultural" (ed. Civilização Brasileira), publicada no Mais! no domingo passado, Maria Lúcia Pallares-Burke e Peter Burke prenunciam que "um grande desafio é agora reconstruir, analisar e interpretar as atividades e o pensamento de Freyre entre 1936 e 1987".
Desse modo, parecem reconhecer que, em boa medida, o período entre 1900 e 1936 conseguiu ser coberto pelo nosso livro. Entretanto é clara a tentativa de diminuir sua contribuição recorrendo a argumentos sectários e de evidente má-fé. Trata-se de um estilo crítico que insiste no arbitrário método, já exposto por Pallares-Burke em seu livro "Gilberto Freyre - Um Vitoriano dos Trópicos" [ed. Unesp], segundo o qual os predecessores são mais importantes que o autor. O oposto do ensaio de Jorge Luis Borges, "Kafka e Seus Precursores", que deve ser lido com cuidado para que se evite que todos os gatos sejam vistos como pardos à noite.
A variedade de fontes relevantes que nosso livro contém é tão vasta que nos parece assombroso que, na resenha, esse fato tenha sido negado. Evidentemente, algumas dessas fontes já haviam sido examinadas anteriormente, o que reconhecemos nos agradecimentos, no corpo do texto, nas notas e na bibliografia. Entretanto nosso livro é uma biografia cultural, não uma discussão das milhares de interpretações da obra de Freyre. A apresentação de documentação nova é enorme.
Para mencionarmos apenas alguns exemplos, a documentação sobre o Colégio Americano Batista -particularmente as publicações de Freyre no Lábaro; manuscritos inéditos; coleções de periódicos regionais; partes de sua correspondência ativa e passiva; as anotações dos cursos oferecidos na Universidade de Stanford, de central importância para compreender a gênese de "Casa-Grande e Senzala".

Novos enfoques
A tais exemplos pode-se somar o estudo sistemático das leituras e ensaios de Freyre que são examinados, pela primeira vez, em seu contexto e em conjunto. A relação de Freyre com os críticos norte-americanos, como Randolph Bourne, Van Wyck Brooks e outros, lança uma luz diferente sobre o suposto racismo paradigmático na cultura norte-americana dos anos 1920.
Na biografia, são abundantes as interpretações originais baseadas em novos enfoques, desde a leitura do "Ulisses" de Joyce feita por Freyre até a relação intelectual com Franz Boas, passando por Lafcadio Hearn, Joaquim Nabuco e Sérgio Buarque de Holanda, entre muitos outros.
Quanto ao uso das fontes, principalmente os textos de Freyre, em geral foi feita uma distinção entre as opiniões ou interpretações do biografado e o contexto reconstruído mediante outros documentos. Esse procedimento ocupa lugar central em algumas partes do livro, por exemplo, na visão idealizada que Freyre projeta de Nuremberg, Paris e Oxford, assim como o superdimensionamento de seu próprio papel em diversas circunstâncias. Inclusive na análise de sua infância se faz alusão às distorções da memória encontradas em seus textos.

Evocações da infância
Isso, entretanto, não impede a utilização de tais documentos como evocações sugestivas de sua infância. Em toda investigação de grande vigor e complexidade, existem erros e omissões que devem ser revisados.
Nesse sentido, sempre será bem-vinda a crítica construtiva. Não nos consideramos proprietários nem aspiramos ao monopólio da vida de qualquer intelectual morto. Tampouco a unanimidade nos interessa. Porém uma discussão das interpretações do livro em relação aos aspectos centrais e candentes da obra de Freyre -a atitude perante a modernidade, a apropriação criativa das diversas tradições culturais, o racismo, as noções de raça e cultura, a interpretação da cultura nacional- seguramente teria proporcionado a possibilidade de um intercâmbio intelectual mais substancial e de maior proveito aos leitores.


ENRIQUE RODRÍGUEZ LARRETA é antropólogo e diretor do Instituto do Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes (RJ).
GUILLERMO GIUCCI leciona na pós-graduação em letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).


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