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Debate emperrado
Os autores de "Gilberto Freyre - Uma Biografia Cultural" rebatem as críticas feitas a seu livro
no Mais! de domingo passado
ENRIQUE RODRÍGUEZ LARRETA
GUILLERMO GIUCCI
ESPECIAL PARA A FOLHA
L
ivros que fazem a diferença tendem a gerar
polêmica. Ao final de
sua resenha de nosso
livro "Gilberto Freyre
-Uma Biografia Cultural" (ed.
Civilização Brasileira), publicada no Mais! no domingo passado, Maria Lúcia Pallares-Burke
e Peter Burke prenunciam que
"um grande desafio é agora reconstruir, analisar e interpretar as atividades e o pensamento de Freyre entre 1936 e 1987".
Desse modo, parecem reconhecer que, em boa medida, o
período entre 1900 e 1936 conseguiu ser coberto pelo nosso
livro. Entretanto é clara a tentativa de diminuir sua contribuição recorrendo a argumentos sectários e de evidente má-fé.
Trata-se de um estilo crítico
que insiste no arbitrário método, já exposto por Pallares-Burke em seu livro "Gilberto
Freyre - Um Vitoriano dos Trópicos" [ed. Unesp], segundo o
qual os predecessores são mais
importantes que o autor. O
oposto do ensaio de Jorge Luis
Borges, "Kafka e Seus Precursores", que deve ser lido com
cuidado para que se evite que
todos os gatos sejam vistos como pardos à noite.
A variedade de fontes relevantes que nosso livro contém
é tão vasta que nos parece assombroso que, na resenha, esse
fato tenha sido negado.
Evidentemente, algumas
dessas fontes já haviam sido
examinadas anteriormente, o
que reconhecemos nos agradecimentos, no corpo do texto,
nas notas e na bibliografia. Entretanto nosso livro é uma biografia cultural, não uma discussão das milhares de interpretações da obra de Freyre.
A apresentação de documentação nova é enorme.
Para mencionarmos apenas
alguns exemplos, a documentação sobre o Colégio Americano Batista -particularmente
as publicações de Freyre no Lábaro; manuscritos inéditos; coleções de periódicos regionais;
partes de sua correspondência
ativa e passiva; as anotações
dos cursos oferecidos na Universidade de Stanford, de central importância para compreender a gênese de "Casa-Grande e Senzala".
Novos enfoques
A tais exemplos pode-se somar o estudo sistemático das
leituras e ensaios de Freyre que
são examinados, pela primeira
vez, em seu contexto e em conjunto. A relação de Freyre com
os críticos norte-americanos,
como Randolph Bourne, Van
Wyck Brooks e outros, lança
uma luz diferente sobre o suposto racismo paradigmático
na cultura norte-americana
dos anos 1920.
Na biografia, são abundantes
as interpretações originais baseadas em novos enfoques, desde a leitura do "Ulisses" de Joyce feita por Freyre até a relação
intelectual com Franz Boas,
passando por Lafcadio Hearn,
Joaquim Nabuco e Sérgio
Buarque de Holanda, entre
muitos outros.
Quanto ao uso das fontes,
principalmente os textos de
Freyre, em geral foi feita uma
distinção entre as opiniões ou
interpretações do biografado e
o contexto reconstruído mediante outros documentos.
Esse procedimento ocupa lugar central em algumas partes
do livro, por exemplo, na visão
idealizada que Freyre projeta
de Nuremberg, Paris e Oxford,
assim como o superdimensionamento de seu próprio papel
em diversas circunstâncias. Inclusive na análise de sua infância se faz alusão às distorções
da memória encontradas em
seus textos.
Evocações da infância
Isso, entretanto, não impede
a utilização de tais documentos
como evocações sugestivas de
sua infância.
Em toda investigação de
grande vigor e complexidade,
existem erros e omissões que
devem ser revisados.
Nesse sentido, sempre será
bem-vinda a crítica construtiva. Não nos consideramos proprietários nem aspiramos ao
monopólio da vida de qualquer
intelectual morto. Tampouco a
unanimidade nos interessa.
Porém uma discussão das interpretações do livro em relação aos aspectos centrais e candentes da obra de Freyre -a
atitude perante a modernidade, a apropriação criativa das
diversas tradições culturais, o
racismo, as noções de raça e
cultura, a interpretação da cultura nacional- seguramente
teria proporcionado a possibilidade de um intercâmbio intelectual mais substancial e de
maior proveito aos leitores.
ENRIQUE RODRÍGUEZ LARRETA é antropólogo
e diretor do Instituto do Pluralismo Cultural da
Universidade Candido Mendes (RJ).
GUILLERMO GIUCCI leciona na pós-graduação
em letras da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).
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