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SÃO PAULO S/A
Cidade foi
local de experimentação mas também
de confronto
com a legislação, o que levou Niemeyer
a deixar na sombra algumas de suas obras
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
U
ma das cidades
com mais construções de Oscar Niemeyer, São Paulo
abriu terreno para
uma produção prolífica nos
anos 1950. Da época costuma-se lembrar o ondulado conjunto Copan, mas pouco se fala sobre os outros prédios. Para a
pesquisadora Daniela Viana
Leal, da Universidade Estadual
de Campinas (SP), há boas razões para o esquecimento.
Em seu mestrado, a arquiteta procurou saber por que edifícios vendidos à época como
legítimas obras do já renomado
modernista não persistiram na
historiografia. Para ela, Niemeyer "tem um discurso muito
bem elaborado, em que essa fase não se encaixa".
FOLHA - Pode-se dizer que as obras
paulistanas dos anos 50 compõem
um período "renegado"?
DANIELA VIANA LEAL - É uma frase
um pouco forte. É uma fase
obscura, pouco comentada. O
período parece ter sido intencionalmente colocado de lado.
FOLHA - Qual é a razão para isso?
LEAL - Elaboramos algumas hipóteses: em primeiro lugar, por
causa da ausência física do arquiteto. Niemeyer já tinha fama internacional, havia feito a
Pampulha e o pavilhão em Nova York. Ele tinha diversos trabalhos encomendados, como o
edifício da praça da Liberdade,
em Belo Horizonte.
Usava o sistema de "escritório-satélite": continuava no Rio
de Janeiro e trabalhava em São
Paulo por meio do Banco Nacional Imobiliário. O escritório
de São Paulo era chefiado pelo
jovem arquiteto Carlos Lemos.
Segundo Lemos, Niemeyer ia
pouco a São Paulo, para lançamentos e para as "viradas": ele
passava 48 horas trabalhando
quase ininterruptamente para
apresentar desenhos para a
prefeitura.
Entre o projeto apresentado
e a obra, há pequenos ajustes
que, no final, não são tão pequenos. Faz sentido que ele tenha aprendido com isso e, logo
depois, em Brasília, tenha escolhido ficar integralmente no
canteiro de obras.
FOLHA - Quais as outras hipóteses?
LEAL - No caso do edifício
Triângulo, por exemplo: o projeto inicial não cabia na legislação urbana da cidade. Ele foi
obrigado a mudar o projeto. O
segundo projeto ficou completamente diferente do original.
O caso do Montreal, que tomo como um
"caso positivo" desse tempo, foi
diferente: Niemeyer brigou
com a prefeitura. Escreveu: "Se
o projeto não está de acordo
com as leis, mudem as leis". Em
outros casos, isso não ocorreu.
As alterações no Triângulo não
foram assinadas por ele.
O terceiro motivo é que Niemeyer tem um discurso muito
bem elaborado, no qual essa fase não se encaixa: é um arquiteto comunista que passou esses
anos trabalhando para um banco, produzindo para o mercado
imobiliário visando exclusivamente ao lucro -não havia
"função social" nesses projetos.
Além disso, na proposta modernista defendida por ele,
sempre diz que a função plástica da arquitetura corresponde
a necessidades estruturais,
funcionais.
FOLHA - Que esses edifícios têm
que frustra o projeto de Niemeyer?
LEAL - Por exemplo, o edifício
Triângulo era um bloco prismático [em que os andares superiores repetem a estrutura
dos inferiores], como o Copan.
Mas a legislação exigia que,
quanto mais alto o prédio,
maior fosse o recuo lateral nos
andares superiores -aquela
impressão de bolo de noiva. Isso não fazia sentido no projeto
de Niemeyer, mas foi alterado.
FOLHA - Chega-se a falar em termos como "prédios que não funcionaram", que "não são Niemeyer"?
LEAL - Ele mesmo me disse
uma vez, por telefone: "Por que
está estudando isso? Não há
nada que estudar ali". Mas é
claro que os moradores são orgulhosos desses edifícios.
Dentro do discurso arquitetônico desenvolvido por Niemeyer, essa seria uma fase de
experimentação. Ele fez experimentação estrutural, como o
piloti em "V", que tem beleza
plástica e função estrutural. O
número de pilares diminui na
base, o que deixa o térreo mais
livre, o olhar avança melhor.
O edifício Califórnia, por
exemplo, usa esses pilares, mas
não funciona com essa lógica: o
terreno é cercado, não permite
o olhar. E, em São Paulo, os engenheiros não eram os que já
trabalhavam com ele e promoviam seu trabalho, portanto o
resultado não foi o esperado.
FOLHA - As leis atrapalharam?
LEAL - O Código de Obras Arthur Saboya [de 1929] era defasado. Mas, sob esse mesmo código ultrapassado, outros arquitetos da época conseguiram
fazer excelentes exemplares.
Foram construídos nessa
época, por exemplo, o Conjunto Nacional e o Três Marias, na
avenida Paulista; boa parte de
Higienópolis tem arquitetura
moderna de qualidade feita sob
esse código. Não dá para pôr a
culpa só no código.
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