São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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SÃO PAULO S/A

Cidade foi local de experimentação mas também de confronto com a legislação, o que levou Niemeyer a deixar na sombra algumas de suas obras

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

U ma das cidades com mais construções de Oscar Niemeyer, São Paulo abriu terreno para uma produção prolífica nos anos 1950. Da época costuma-se lembrar o ondulado conjunto Copan, mas pouco se fala sobre os outros prédios. Para a pesquisadora Daniela Viana Leal, da Universidade Estadual de Campinas (SP), há boas razões para o esquecimento. Em seu mestrado, a arquiteta procurou saber por que edifícios vendidos à época como legítimas obras do já renomado modernista não persistiram na historiografia. Para ela, Niemeyer "tem um discurso muito bem elaborado, em que essa fase não se encaixa".

 

FOLHA - Pode-se dizer que as obras paulistanas dos anos 50 compõem um período "renegado"?
DANIELA VIANA LEAL -
É uma frase um pouco forte. É uma fase obscura, pouco comentada. O período parece ter sido intencionalmente colocado de lado.

FOLHA - Qual é a razão para isso? LEAL - Elaboramos algumas hipóteses: em primeiro lugar, por causa da ausência física do arquiteto. Niemeyer já tinha fama internacional, havia feito a Pampulha e o pavilhão em Nova York. Ele tinha diversos trabalhos encomendados, como o edifício da praça da Liberdade, em Belo Horizonte.
Usava o sistema de "escritório-satélite": continuava no Rio de Janeiro e trabalhava em São Paulo por meio do Banco Nacional Imobiliário. O escritório de São Paulo era chefiado pelo jovem arquiteto Carlos Lemos. Segundo Lemos, Niemeyer ia pouco a São Paulo, para lançamentos e para as "viradas": ele passava 48 horas trabalhando quase ininterruptamente para apresentar desenhos para a prefeitura.
Entre o projeto apresentado e a obra, há pequenos ajustes que, no final, não são tão pequenos. Faz sentido que ele tenha aprendido com isso e, logo depois, em Brasília, tenha escolhido ficar integralmente no canteiro de obras.

FOLHA - Quais as outras hipóteses?
LEAL -
No caso do edifício Triângulo, por exemplo: o projeto inicial não cabia na legislação urbana da cidade. Ele foi obrigado a mudar o projeto. O segundo projeto ficou completamente diferente do original. O caso do Montreal, que tomo como um "caso positivo" desse tempo, foi diferente: Niemeyer brigou com a prefeitura. Escreveu: "Se o projeto não está de acordo com as leis, mudem as leis". Em outros casos, isso não ocorreu.
As alterações no Triângulo não foram assinadas por ele. O terceiro motivo é que Niemeyer tem um discurso muito bem elaborado, no qual essa fase não se encaixa: é um arquiteto comunista que passou esses anos trabalhando para um banco, produzindo para o mercado imobiliário visando exclusivamente ao lucro -não havia "função social" nesses projetos. Além disso, na proposta modernista defendida por ele, sempre diz que a função plástica da arquitetura corresponde a necessidades estruturais, funcionais.

FOLHA - Que esses edifícios têm que frustra o projeto de Niemeyer?
LEAL -
Por exemplo, o edifício Triângulo era um bloco prismático [em que os andares superiores repetem a estrutura dos inferiores], como o Copan. Mas a legislação exigia que, quanto mais alto o prédio, maior fosse o recuo lateral nos andares superiores -aquela impressão de bolo de noiva. Isso não fazia sentido no projeto de Niemeyer, mas foi alterado.

FOLHA - Chega-se a falar em termos como "prédios que não funcionaram", que "não são Niemeyer"?
LEAL -
Ele mesmo me disse uma vez, por telefone: "Por que está estudando isso? Não há nada que estudar ali". Mas é claro que os moradores são orgulhosos desses edifícios. Dentro do discurso arquitetônico desenvolvido por Niemeyer, essa seria uma fase de experimentação. Ele fez experimentação estrutural, como o piloti em "V", que tem beleza plástica e função estrutural. O número de pilares diminui na base, o que deixa o térreo mais livre, o olhar avança melhor.
O edifício Califórnia, por exemplo, usa esses pilares, mas não funciona com essa lógica: o terreno é cercado, não permite o olhar. E, em São Paulo, os engenheiros não eram os que já trabalhavam com ele e promoviam seu trabalho, portanto o resultado não foi o esperado.

FOLHA - As leis atrapalharam?
LEAL -
O Código de Obras Arthur Saboya [de 1929] era defasado. Mas, sob esse mesmo código ultrapassado, outros arquitetos da época conseguiram fazer excelentes exemplares.
Foram construídos nessa época, por exemplo, o Conjunto Nacional e o Três Marias, na avenida Paulista; boa parte de Higienópolis tem arquitetura moderna de qualidade feita sob esse código. Não dá para pôr a culpa só no código.


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