São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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O jargão incompreensível

O físico Alan Sokal relembra seu ataque bombástico aos pós-modernos, 11 anos atrás

DA REDAÇÃO

E m 1996, o físico americano Alan Sokal provocou uma enorme turbulência no meio intelectual, sobretudo entre os chamados pós-modernos, ao pregar uma peça na revista "Social Text". Ele enviou à revista de ciências humanas -afinadas com essa linha teórica- um texto sem pé nem cabeça, mas que se servia de um pesado linguajar acadêmico, a começar pelo título: "Atravessando as Fronteiras - Em Direção a uma Hermenêutica Transformativa de Gravidade Quântica".
Seu objetivo era provar que obras de autores como Gilles Deleuze, Félix Guattari e Julia Kristeva eram pouco rigorosas, além de todos, segundo Sokal, serem avessos à possibilidade de alcançar um conhecimento objetivo das coisas.
Meses depois, revelaria o embuste, que acabaria por desenvolver no livro "Imposturas Intelectuais" (ed. Record), escrito em parceria com o também físico Jean Bricmont. Onze anos depois da celeuma, Sokal fala à Folha sobre o que mudou desde então e compara os "estilos" de Baudrillard, Deleuze e Kristeva. (MARCOS FLAMÍNIO PERES)

FOLHA - Como o sr. avalia o caso "Social Text", passados 11 anos? O que mudou hoje?
ALAN SOKAL
- Acredito que o escândalo em torno da publicação de meu artigo paródico na "Social Text" -e, mais tarde, a publicação de meu livro "Imposturas Intelectuais", em co-autoria com Jean Bricmont-, teve um efeito salutar, pois estimulou o debate sobre o abuso do jargão por alguns pós-modernistas proeminentes. Estudantes e professores não ficam mais intimidados em dizer "não entendo isso. O que de fato isso significa?".

FOLHA - O que o sr. critica na obra e nos textos de Baudrillard?
SOKAL
- Muitos dos textos dele são escritos em um estilo pomposo que parece ser profundo, mas cujo significado preciso (no caso de haver algum) está longe de ser claro. Bricmont e eu concluímos nossa análise dos abusos de Baudrillard afirmando que "se encontram nas obras dele uma profusão de termos científicos, usados com displicência em relação a seus significados, e, acima de tudo, em um contexto em que são claramente irrelevantes. [...] Além disso, a terminologia científica vem misturada com um vocabulário não-científico, que é empregado com igual falta de rigor".

FOLHA - Em que Baudrillard comete imposturas? Eram melhores ou piores que as de Deleuze e Kristeva?
SOKAL
- As imposturas são de vários tipos, então é difícil estabelecer uma ranking unidimensional de acordo com o "grau de impostura". Baudrillard escreve sentenças pomposas repletas de terminologia supostamente científica, que são ao mesmo tempo banalidades travestidas de profundidades e totalmente sem sentido. O estilo de Deleuze é similar, mas com a pretensão de ser uma profunda contribuição à filosofia.
O estilo de Kristeva é menos frenético, mas ela intimida seu leitor com fatos altamente técnicos tirados da teoria ou análise matemáticas -que, posteriormente, se mostram irrelevantes para os temas (por exemplo, a linguagem poética).

FOLHA - A "invasão" de pensadores franceses, como Baudrillard, sempre foi vista com restrição em alguns círculos acadêmicos dos EUA. O sr. se coloca entre eles?
SOKAL
- Para mim, as idéias não têm nacionalidade. Boas idéias devem ser aceitas não importa de onde venham; más idéias devem ser rejeitadas, não importa de onde venham.
A nacionalidade de um autor é irrelevante.


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