São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

AS DESILUSÕES DOS CANDIDATOS E
A "AMEAÇA" HOMOSSEXUAL

Estabelecida pelo papa João Paulo 2º em maio de 1989, Santo Amaro é uma das dioceses autônomas surgidas do desmembramento da Arquidiocese de São Paulo, à época comandada pelo cardeal-arcebispo d. Paulo Evaristo Arns. Outras dioceses surgidas então foram as de Campo Limpo, São Miguel e Osasco. Há quem tenha interpretado essa manobra do Vaticano como esforço deliberado de reduzir a influência da linha pastoral politizadora de d. Paulo sobre algumas das regiões mais carentes da Grande São Paulo, entre elas a de Santo Amaro, em que hoje Marcelo Rossi e o movimento carismático têm forte penetração.
O presidente da Osib, padre João Geraldo Carinhena, afirma ser "uma pena" a desvinculação do instituto de Santo Amaro em relação à Assunção, que segundo ele é, ao lado do Itesp (Instituto Teológico de São Paulo), uma referência nacional de excelência, pelo alto nível de seu corpo docente, a maior parte do qual constituído por clérigos com doutorado e mestrado em diversas especialidades teológicas e canônicas. Em Assunção, faculdade composta por um quadro total de 47 professores, 27 são titulares (com título de doutoramento) e 20 auxiliares (mestres), além de professores auxiliares e visitantes. Dona de uma das bibliotecas teológicas mais completas do país, a faculdade oferece já na graduação alfabetização em línguas antigas (grego, latim e hebraico bíblico), que podem ser aprofundadas na pós. São fortes indícios, aparentemente, do modelo que Reginaldo Prandi define como "padre intelectual".
O padre Manzatto afirma que várias pessoas que procuram o seminário querem se transformar "em novos padres Marcelo, mas aí percebem que o principal trabalho da igreja não é fazer barulho e cantar".
De acordo com o padre Manzatto, tal glamourização do sacerdócio, e a subseqüente decepção, estão entre os fatores que levam aos relativamente altos índices de desistências (20% a 30%) de seminaristas no meio do caminho. Claro que esse é só um dos tipos de desilusão que podem acometer o candidato ao longo de sua caminhada. Um ex-seminarista que não quis se identificar disse ao Mais! que saiu de sua congregação aos 22 anos, após três anos de convivência.
Ele se sentia "um peixe fora d" água, como um jornalista no laboratório de química". Descobriu que não era aquela sua vocação, impulsionado sobretudo pela constatação de que "a igreja não é lugar só para santinhos. Você pode ser criticado, colocado de lado, há quem te aplauda e quem te puxe o tapete". Ele também alude a problemas com os superiores hierárquicos: "A igreja é uma hierarquia. Se você não se ajusta, você está fora". Disse ter precisado de oito meses de terapia psicológica, naquela época, para "entender o seu eu e o seu lugar".
Assistência psicológica, aliás, é algo que acompanha os candidatos durante todo o período no seminário. É um serviço muito utilizado inclusive, segundo o ex-seminarista, para a detecção de um dos mais "graves" empecilhos que podem fazer a própria igreja excluir aspirantes: o homossexualismo. Um seminarista de filosofia revela que já viu um colega de sua turma ser retirado por mostrar "trejeitos homossexuais". O padre Miguel confirma que, além de problemas na convivência na casa ou nas paróquias e de um péssimo comportamento escolar, esse é um critério levado em consideração: "Se existe uma pessoa cujo comportamento é bastante descontrolado, não dá para continuar. Claro que não necessariamente um comportamento exterior mais delicado é razão para preocupações, porém a gente tem que trabalhar as coisas para que a pessoa tenha uma postura correta. Aliás, os documentos da igreja falam numa postura "varonil". Porque, com essa decantada liberdade do mundo de hoje, as pessoas podem confundir as coisas e procurar o seminário. E muitos já foram dispensados na história recente da igreja por causa desses problemas. Eu mesmo já dispensei alguns".
Outro tipo de desistência pode não ter como alvo a vida religiosa em geral, mas modalidades específicas. Isso é exemplificado por Claudiomiro Bispo, 27. Hoje seminarista de teologia da arquidiocese, ele era anteriormente da Congregação dos Estigmatinos, que abandonou por considerar que "sua vida é um pouco invadida nas congregações; você pode ter, por exemplo, que dividir quartos, além de você ter que "vestir a camisa" do fundador da congregação. Também não senti muito incentivo para coisas que eu queria desenvolver, como cantar, tocar, além de aprofundar os estudos".
O seminarista ligado a ordens ou congregações virá, se formado, a fazer parte do clero "religioso", e não do clero "secular" (ou diocesano). A caminhada dos candidatos daquele primeiro tipo envolve mais etapas, entre elas o noviciado, em que estuda mais intensamente o modo próprio, ou carisma, de sua congregação e faz os votos, ainda provisórios, de castidade, pobreza e obediência e pode durar cerca de 15 anos. A maior ênfase na vida comunitária também expõe o seminarista religioso a maiores tensões no convívio cotidiano. Não por acaso, talvez, o clero diocesano é hoje maior que o religioso.


Texto Anterior: A renovação carismática e o impacto do "Padre-espetáculo"
Próximo Texto: A evangelização, os evangélicos e a apropriação do discurso científico
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.