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Inescapável, biografia ilumina as criações de Jean-Luc Godard
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA
Godard fez seu primeiro
longa-metragem em
1959 ("Acossado").
Desde então, sua obra
de mais de 50 filmes
foi objeto de incontáveis análises
de todo tipo, em todo o mundo.
Até pouco tempo, no entanto,
ninguém ousara escrever uma biografia de fôlego desse artista radical e controverso, nascido na
França (1930) e de nacionalidade
franco-suíça, que dividiu o cinema
em duas eras: antes e depois da revolução godardiana.
O tabu foi quebrado em 2003,
com "Godard - A Portrait of the
Artist at Seventies" [Um Retrato
do Artista aos 70], um relato de
434 páginas feito por Colin MacCabe. Cinco anos depois, em 2008,
apareceu outra biografia, ainda
mais portentosa que a primeira,
"Everything Is Cinema - The Working Life of Jean-Luc Godard"
[Tudo é Cinema], um catatau de
720 páginas de Richard Brody.
O pioneirismo desses dois autores provocou uma situação humilhante para a França, aos olhos da
cinefilia internacional: o maior diretor do país fora "apropriado"
biograficamente por pesquisadores de língua inglesa.
"Godard", de Antoine de Baecque, é a gigantesca e um tanto tardia resposta francesa às invectivas
anglo-saxãs. Fato que, certamente,
colocou uma penca de desafios ao
autor, na busca de um sentido para
o seu livro.
Ou seja: para que escrever mais
uma biografia, a terceira, de Godard, em menos de uma década?
Os livros feitos por MacCabe e
Brody têm, além do pioneirismo,
várias qualidades.
Uma das vantagens do primeiro
foi fazer um dedicado retrato dos
primeiros anos de Godard -a infância durante a guerra, a juventude quase delinquente e o vertiginoso início da carreira cinematográfica.
Brody, por sua vez, conseguiu
realizar uma ampla contextualização da vida do diretor dentro da
história francesa e ousou tocar em
feridas políticas muito delicadas,
como o pretenso antissemitismo
do cineasta.
De Baecque levou em conta as
pesquisas feitas pelos biógrafos
anteriores, aprofundando-as e
corrigindo-as.
É extremamente meticuloso na
descrição dos eventos e dos personagens, na tabulação da cronologia
e dos números (gastos de produção, público dos filmes etc.) e até
na apuração dos endereços.
Mas o principal mérito de De
Baecque é ter realizado o que nenhum dos outros biógrafos realmente conseguiu: fazer uma completa e sólida arqueologia da obra,
descrever a construção material e
artística de cada filme e expor com
muita procedência os eventos sociais, interpessoais e psicológicos
relacionados às sucessivas "viradas" godardianas.
Em suma: relacionar de modo
complexo, minucioso e sem reducionismos a vida e a criação do cineasta.
Esse é o ponto fundamental do
livro e, depois desta biografia, se
torna muito difícil falar do cineasta sem passar pelas páginas importantes (minuciosas e saborosas)
que o autor dedica a filmes como
"Acossado", "O Desprezo", todo o
período da intensa militância política e, mais ainda, às extraordinárias e muitas vezes menosprezadas
obras recentes feitas no "exílio" de
Godard em Rolle (Suíça), das quais
De Baecque faz uma vigorosa
abordagem.
Outro mérito da biografia é que
produz uma forte curiosidade de
(re)ver os filmes do diretor. Como
se, após atravessar este livro oceânico, o leitor adquirisse uma cultura, uma paixão e uma inteligência
inteiramente novas para redescobrir o continente Godard.
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