São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Inescapável, biografia ilumina as criações de Jean-Luc Godard

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA

Godard fez seu primeiro longa-metragem em 1959 ("Acossado"). Desde então, sua obra de mais de 50 filmes foi objeto de incontáveis análises de todo tipo, em todo o mundo.
Até pouco tempo, no entanto, ninguém ousara escrever uma biografia de fôlego desse artista radical e controverso, nascido na França (1930) e de nacionalidade franco-suíça, que dividiu o cinema em duas eras: antes e depois da revolução godardiana.
O tabu foi quebrado em 2003, com "Godard - A Portrait of the Artist at Seventies" [Um Retrato do Artista aos 70], um relato de 434 páginas feito por Colin MacCabe. Cinco anos depois, em 2008, apareceu outra biografia, ainda mais portentosa que a primeira, "Everything Is Cinema - The Working Life of Jean-Luc Godard" [Tudo é Cinema], um catatau de 720 páginas de Richard Brody.
O pioneirismo desses dois autores provocou uma situação humilhante para a França, aos olhos da cinefilia internacional: o maior diretor do país fora "apropriado" biograficamente por pesquisadores de língua inglesa.
"Godard", de Antoine de Baecque, é a gigantesca e um tanto tardia resposta francesa às invectivas anglo-saxãs. Fato que, certamente, colocou uma penca de desafios ao autor, na busca de um sentido para o seu livro.
Ou seja: para que escrever mais uma biografia, a terceira, de Godard, em menos de uma década?
Os livros feitos por MacCabe e Brody têm, além do pioneirismo, várias qualidades.
Uma das vantagens do primeiro foi fazer um dedicado retrato dos primeiros anos de Godard -a infância durante a guerra, a juventude quase delinquente e o vertiginoso início da carreira cinematográfica.
Brody, por sua vez, conseguiu realizar uma ampla contextualização da vida do diretor dentro da história francesa e ousou tocar em feridas políticas muito delicadas, como o pretenso antissemitismo do cineasta.
De Baecque levou em conta as pesquisas feitas pelos biógrafos anteriores, aprofundando-as e corrigindo-as.
É extremamente meticuloso na descrição dos eventos e dos personagens, na tabulação da cronologia e dos números (gastos de produção, público dos filmes etc.) e até na apuração dos endereços.
Mas o principal mérito de De Baecque é ter realizado o que nenhum dos outros biógrafos realmente conseguiu: fazer uma completa e sólida arqueologia da obra, descrever a construção material e artística de cada filme e expor com muita procedência os eventos sociais, interpessoais e psicológicos relacionados às sucessivas "viradas" godardianas.
Em suma: relacionar de modo complexo, minucioso e sem reducionismos a vida e a criação do cineasta.
Esse é o ponto fundamental do livro e, depois desta biografia, se torna muito difícil falar do cineasta sem passar pelas páginas importantes (minuciosas e saborosas) que o autor dedica a filmes como "Acossado", "O Desprezo", todo o período da intensa militância política e, mais ainda, às extraordinárias e muitas vezes menosprezadas obras recentes feitas no "exílio" de Godard em Rolle (Suíça), das quais De Baecque faz uma vigorosa abordagem.
Outro mérito da biografia é que produz uma forte curiosidade de (re)ver os filmes do diretor. Como se, após atravessar este livro oceânico, o leitor adquirisse uma cultura, uma paixão e uma inteligência inteiramente novas para redescobrir o continente Godard.


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