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Morte a crédito
Cineasta
retrata de
forma trágica
a compulsão
dos norte-americanos por cartões de crédito
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Transformar um assunto como cartões
de crédito em uma comédia pode parecer
algo esdrúxulo. Numa
comédia de humor negro, então, nem se fala. Mas é mais ou
menos o que o jovem diretor
norte-americano James Scurlock, 34, conseguiu fazer em
"Maxed Out" (Chegar ao Extremo), um documentário sobre
como as dívidas têm dado sustentação ao estilo de vida da família norte-americana comum.
O filme (sem previsão de lançamento no Brasil) fez sucesso
de crítica e público no South by
Southwest Film Festival, em
Austin (Texas), em março, e levantou uma séria discussão sobre o modo como a economia
americana tem se alimentado.
Quanto mais inteligente a pessoa é, mais vergonha sente por não entender como caiu em tal situação
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Intrigado com a maneira como os norte-americanos, principalmente os mais jovens, têm
sido cada vez mais enredados
em dívidas de cartões de crédito, Scurlock resolveu investigar
as razões pelas quais esse pequeno pedaço de plástico se
tornou algo tão sedutor e indispensável para tanta gente, num
país em que a média de endividamento familiar com cartão
de crédito chegou, em 2005, a
cerca de US$ 9.300 (R$ 21 mil).
Conta também como "falidos" e "quebrados" são motivo
de lucro para essas empresas.
Rodado em vários pontos
dos EUA, o filme vai virar também um livro com as melhores
entrevistas, a ser publicado em
2007 pela Simon & Schuster.
FOLHA - Por que decidiu fazer esse
documentário? Está mais preocupado com a economia ou com o comportamento da sociedade?
JAMES SCURLOCK - Estou preocupado com os dois. Nos anos
1970, começamos a partir de
uma economia produtiva -em
que as pessoas economizam e
investem em companhias que
produzem coisas, e é daí que
vem o crescimento- para uma
economia consumista, em que
o crescimento vem do nosso
consumo de coisas que são feitas em outros lugares.
Por isso não precisamos mais
de tudo aquilo que economizávamos para financiar a produção. Viramos uma economia
em que companhias fazem dinheiro financiando produtos, e
não vendendo-os. Somos todos
culpados, em diferentes níveis,
por pensar que esse comportamento pode continuar indefinidamente.
FOLHA - Os americanos estão sendo estimulados a criar dívidas?
SCURLOCK - Sem dúvida. Os
bancos e as empresas de cartão
de crédito estão vendendo dívidas. Virou um produto como
qualquer outro, exceto pelo fato de que, no caso da dívida, o
abastecimento cria mais demanda. Em outras palavras,
quanto mais dívida você vende,
mais pessoas precisarão dela.
Se você tem um cartão de
crédito, vai precisar de outro
para pagar o primeiro, aí terá de
pendurar a casa para pagar os
dois e assim por diante. É um
ciclo vicioso criado por essas
companhias, que criaram um
produto para cada parte dele.
Dívidas com juros altos tornaram-se um negócio muito
rentável, especialmente quando se adicionam taxas e multas.
FOLHA - Como foi a pesquisa para o
filme?
SCURLOCK - Li muito a respeito
e freqüentei o curso de finanças
da Wharton School, na Universidade da Pensilvânia. Para encontrar os personagens, procuramos na internet e nos jornais
histórias reais. A filmagem durou cerca de nove meses e foi
muito difícil porque muitas
pessoas não querem falar sobre
falência.
Há muita vergonha e muita
culpa envolvidos no tema. Ironicamente, quanto mais inteligente a pessoa for, mais culpa e
vergonha sente por não entender como foi possível cair em
tal situação. Filmamos em todo
o país, e a pesquisa provou que
o assunto afeta a todos. Não interessa de onde você é, se rico
ou pobre, negro ou branco, gay
ou heterossexual, conservador
ou liberal.
FOLHA - Você acha que suas conclusões podem ser exportadas a outros países?
SCURLOCK - Sim, porque esse é
um fenômeno global. O verdadeiro tema é a disparidade de
riqueza no mundo. Alguns estão ficando muito, muito ricos e
outros, muito, muito pobres.
Então a maioria das pessoas está usando cartões de crédito para preencher esse buraco -inclusive para pagar coisas essenciais, como planos de saúde,
educação, comida etc.
Trata-se uma economia global muito instável e muito desigual, e o crédito é aquilo a que
as pessoas se agarram quando
estão se afogando. Acabo de ler
que o número de japoneses que
não têm poupança quase dobrou em dez anos. Essa é uma
grande mudança numa sociedade que costumava se orgulhar de dizer que todos eram de
classe média.
FOLHA - A criação de dívidas particulares faz a economia de um país
crescer de alguma maneira?
SCURLOCK - Com certeza. Se as
pessoas estão fazendo mais e
mais dívidas, elas continuam a
gastar, e isso mantém a economia em movimento. Mantém
os construtores construindo,
fábricas produzindo e assim
por diante. É por isso que, em
princípio, parece uma panacéia, mas acaba construindo
uma engrenagem que funciona
muito bem.
As pessoas ficam felizes porque ainda podem aparentar
pertencer à classe média ou ter
um certo nível de vida. E os
bancos ficam felizes porque estão enriquecendo. Mas, em algum ponto, começam a sufocar
sob os crescentes níveis da dívida a cada vez mais alto custo, e
surgem os problemas.
FOLHA - Você diz que a dívida virou
um vício. Nesse sentido, pode compará-la a outros, como álcool, cigarro, drogas legais ou ilegais?
SCURLOCK - No ano passado as
empresas de cartão de crédito
enviaram cerca de 6 bilhões de
ofertas de cartão de crédito para as casas dos norte-americanos. Isso corresponde, mais ou
menos, a 60 para cada uma.
E todos anunciam algo por
nada. Zero de juros, pague depois ou o que seja. O que você
acha que pode acontecer se enviarmos 60 maços de cigarro ou
60 garrafas de vinho por ano
para cada uma dessas casas? É
claro que isso vai desenvolver
algum tipo de apetite por essas
ofertas sedutoras, ou não?
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