São Paulo, domingo, 12 de julho de 2009

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Vale a pena salvar idiomas?

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

É relativamente fácil mobilizar uma multidão para salvar as baleias; mais difícil é reunir alguns gatos pingados pela preservação de bichos pouco simpáticos, como a minhoca branca (Fimoscolex sporadochaetus), que pode já ter desaparecido; o verdadeiro desafio, entretanto, é arregimentar gente para conservar um idioma.
O Brasil é um dos países campeões em línguas ameaçadas de extinção. A crer nas estimativas de Tove Skutnabb-Kangas, com 219 idiomas, somos a oitava nação mais linguisticamente diversa do planeta, ficando atrás apenas de Papua-Nova Guiné (850), Indonésia (670), Nigéria (410), Índia (380), Camarões (270), Austrália (250) e México (240).
Não por acaso, as línguas faladas por pequenos grupos indígenas em áreas tropicais são as que correm maiores riscos, a exemplo do que se dá com espécies animais e vegetais. As pressões econômicas que derrubam florestas são as mesmas que rompem o isolamento cultural de índios e os levam a fixar-se em áreas urbanas, adotando idiomas majoritários como o português.
No plano global, acredita-se que existam em torno de 6.500 línguas. Elas podem ser classificadas em três grandes grupos em relação a suas perspectivas de sobrevivência. São chamadas de "moribundas" quando já não são aprendidas pelas crianças. Estima-se que de 20% a 50% estejam nessa situação. Diz-se que estão "ameaçadas" quando se encontram em vias de deixar de ser aprendidas por jovens. E são consideradas "seguras" quando não se enquadram em nenhuma das categorias anteriores. Só 10% dos idiomas são robustos o bastante para se encaixar na última definição; 90% não sobreviverão além de 2100.
A iniciativa do IBGE de promover o recenseamento linguístico tem o mérito de mapear, para além de chutes e estimativas, os idiomas existentes no Brasil e o grau de ameaça que paira sobre cada um.
A questão é se vale a pena tentar salvar idiomas ou se o processo de concentração linguística é inexorável. Na última hipótese, só o que nos restaria fazer é colecionar o maior número possível de registros dessas línguas, para que elas não se percam inteiramente. Cada idioma, afinal, ao revelar como um grupo de indivíduos pensa e hierarquiza o mundo, é uma janela para a natureza humana.


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