São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Um espetáculo da pós-modernidade

O libretista Gerson Valle rebate crítica feita pelo colunista Jorge Coli, no último dia 29, ao texto que escreveu para a ópera "Olga"

GERSON VALLE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ambos concordamos que a cenografia de William Pereira é "estupenda", e disso me envaideço, pois ele declarou que tudo o que fez em "Olga" foi seguir minhas rubricas. Não há espaço aqui para contar detalhes sobre o espetáculo que idealizei e Pereira notavelmente montou, tornando visível a minha imaginação.
Só quero, com isso, dizer que, quanto ao espetáculo como um todo, nós não só não discordamos mas o senhor, de certa forma, me elogia. Mas qual o significado de "espetáculo" nessa ópera? No meu entender e no de Jorge Antunes [compositor], é um enfoque de todas as artes, no que Wagner chamava de "Gesamtkunstwerk". Nós resolvemos não fazer uma ópera convencional, em que a música seria o fim de tudo, nem uma representação com música em que o "bom gosto" da elite do Municipal pudesse ter suas taças de Corneille ou Racine.
Desde o ensaio geral com presença de público, e durante as cinco récitas, "Olga" foi calorosamente aplaudida, ocorrendo lágrimas de emoção e comentários de estupefação ante a riqueza das narrativas, juntando drama, comédia, farsa, tragédia, música, cinema, balé, circo, cordel etc.
Já entre a crítica acadêmica, a estupefação deu lugar a certo temor ante o inusitado, procurando-se padrões nos valores já consagrados em que a "carnavalização" do espetáculo trazia um "brasileirismo" de miscigenação, "poliestilismo", colagem, citações, antropofagia num painel de múltiplos gêneros, dentro de perspectivas midiáticas de 2006 no Brasil -e não de século 19 italiano, russo, francês ou alemão, ou século 20 de "modernismos" fechados em correntes de formalismos próprios.

Tendências diferentes
"Olga" se enquadra no pós-modernismo da incorporação das várias tendências e no gosto da linguagem direta do cinema, numa necessária linearidade narrativa de retorno à compreensão racional para a irradiação da emoção. Em cada quadro tentei marcar uma tendência estética diferente, sendo realista, expressionista, pop, surreal etc. Tudo somado, ela atinge o público de hoje. Nasce, com "Olga", uma ópera de forma daqui e de agora, brasileira.
Não tive, no libreto, a preocupação em me esmerar numa poesia que viva só por si. Em muitos lugares é "letra de música" necessária, até banal, contanto que se aplique à ação dramática. É teatro. A personalidade de Luiz Carlos Prestes, por exemplo, teve a sua própria figura, que entrevistei com Antunes, como modelo, com seu humor, inflexibilidade ideológica e cortesia.
Não quis dar o caráter de história do comunista que se apaixonou por Olga, na simplicidade de algum filme, e que alguns críticos esperavam, com enfoque maior em torno do amor, como em todas as óperas do romantismo. O que mais me espanta é acusar-me de escrever poesia de pé quebrado. Retornamos ao parnasianismo, anterior à luta dos modernistas de 1922? Os críticos esqueceram de um libreto como "As Enfibraturas do Ipiranga", de nosso querido Mário de Andrade?
Espero, sinceramente, que possa rever seus conceitos sobre o espetáculo, após uma reflexão e leitura de partitura ou visualização quando o vídeo sair ou, espera-se, em nova representação. E, sejamos honestos: o sucesso diante do público induz uma reflexão crítica, mesmo que exija uma revisão de uma postura que se enrijeceu, tornando-se uma camisa-de-força. É rasgá-la! Com a admiração, sem mágoa, evidentemente, de


GERSON VALLE é libretista da ópera "Olga", que foi apresentada em outubro no Theatro Municipal de São Paulo.

NA INTERNET - Leia coluna de Jorge Coli de 29/10, sobre "Olga", em www.folha.com.br/063122


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