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Um espetáculo da pós-modernidade
O libretista Gerson Valle rebate crítica feita pelo colunista Jorge Coli, no último dia 29, ao texto que escreveu para a ópera "Olga"
GERSON VALLE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ambos concordamos
que a cenografia de
William Pereira é
"estupenda", e disso me envaideço,
pois ele declarou que tudo o
que fez em "Olga" foi seguir minhas rubricas. Não há espaço
aqui para contar detalhes sobre
o espetáculo que idealizei e Pereira notavelmente montou,
tornando visível a minha imaginação.
Só quero, com isso, dizer que,
quanto ao espetáculo como um
todo, nós não só não discordamos mas o senhor, de certa forma, me elogia.
Mas qual o significado de
"espetáculo" nessa ópera? No
meu entender e no de Jorge
Antunes [compositor], é um
enfoque de todas as artes, no
que Wagner chamava de "Gesamtkunstwerk". Nós resolvemos não fazer uma ópera convencional, em que a música seria o fim de tudo, nem uma representação com música em
que o "bom gosto" da elite do
Municipal pudesse ter suas taças de Corneille ou Racine.
Desde o ensaio geral com
presença de público, e durante
as cinco récitas, "Olga" foi calorosamente aplaudida, ocorrendo lágrimas de emoção e comentários de estupefação ante
a riqueza das narrativas, juntando drama, comédia, farsa,
tragédia, música, cinema, balé,
circo, cordel etc.
Já entre a crítica acadêmica,
a estupefação deu lugar a certo
temor ante o inusitado, procurando-se padrões nos valores já
consagrados em que a "carnavalização" do espetáculo trazia
um "brasileirismo" de miscigenação, "poliestilismo", colagem, citações, antropofagia
num painel de múltiplos gêneros, dentro de perspectivas midiáticas de 2006 no Brasil -e
não de século 19 italiano, russo,
francês ou alemão, ou século
20 de "modernismos" fechados
em correntes de formalismos
próprios.
Tendências diferentes
"Olga" se enquadra no pós-modernismo da incorporação
das várias tendências e no gosto
da linguagem direta do cinema,
numa necessária linearidade
narrativa de retorno à compreensão racional para a irradiação da emoção. Em cada
quadro tentei marcar uma tendência estética diferente, sendo realista, expressionista, pop,
surreal etc. Tudo somado, ela
atinge o público de hoje. Nasce,
com "Olga", uma ópera de forma daqui e de agora, brasileira.
Não tive, no libreto, a preocupação em me esmerar numa
poesia que viva só por si. Em
muitos lugares é "letra de música" necessária, até banal, contanto que se aplique à ação dramática. É teatro.
A personalidade de Luiz Carlos Prestes, por exemplo, teve a
sua própria figura, que entrevistei com Antunes, como modelo, com seu humor, inflexibilidade ideológica e cortesia.
Não quis dar o caráter de história do comunista que se apaixonou por Olga, na simplicidade de algum filme, e que alguns
críticos esperavam, com enfoque maior em torno do amor,
como em todas as óperas do romantismo.
O que mais me espanta é acusar-me de escrever poesia de pé
quebrado. Retornamos ao parnasianismo, anterior à luta dos
modernistas de 1922? Os críticos esqueceram de um libreto
como "As Enfibraturas do Ipiranga", de nosso querido Mário
de Andrade?
Espero, sinceramente, que
possa rever seus conceitos sobre o espetáculo, após uma reflexão e leitura de partitura ou
visualização quando o vídeo
sair ou, espera-se, em nova representação.
E, sejamos honestos: o sucesso diante do público induz uma
reflexão crítica, mesmo que
exija uma revisão de uma postura que se enrijeceu, tornando-se uma camisa-de-força. É
rasgá-la!
Com a admiração, sem mágoa, evidentemente, de
GERSON VALLE é libretista da ópera "Olga",
que foi apresentada em outubro no Theatro Municipal de São Paulo.
NA INTERNET - Leia coluna de Jorge Coli de 29/10, sobre "Olga", em
www.folha.com.br/063122
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