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Incerto amanhã/ Oriente Médio
Conversa afiada
Nova diplomacia para o Iraque, enfraquecimento do antiamericanismo no continente, menos restrições às artes e mais atenção ao ambiente do planeta são algumas das perspectivas vislumbradas com a vitória democrata nos EUA
PAULO FAGUNDES VIZENTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA
As raízes mais profundas da vitória
eleitoral dos democratas se encontram no
Oriente Médio, e é de esperar
uma gradual mudança de rumos da diplomacia dos EUA
para a região. Sem dúvida, a
presença militar no Iraque é
a questão principal, pois a sociedade norte-americana não
está disposta a pagar um elevado tributo de sangue.
Não será fácil encontrar
uma solução, mas os democratas, além de possivelmente elegerem o próximo presidente, seguramente alterarão
o rumo da atual administração. Eles devem buscar um
acordo amplo para a questão,
respeitando os aliados árabes
e os ressentidos da invasão de
2003 (europeus e russos).
Da mesma forma, é de prever o apoio de Washington à
retomada de negociações de
paz entre Israel e os palestinos, até porque o Estado hebreu já buscava uma solução,
ainda que unilateral. Mas a
questão do Líbano pode ser
mais complexa.
É verdade que o conceito
de "eixo do mal" [Irã, Iraque e
Coréia do Norte] deve ser
progressivamente atenuado
(bem como o de "organização
terrorista"), com efeitos positivos no caso norte-coreano
e, talvez, no sírio.
Preço a pagar
Se a pressão americana sobre este último for afrouxada
e garantida a sobrevivência
do regime, poderá haver algum resultado positivo no Líbano, onde a Síria tentará
manter influência para negociar as colinas de Golã. Talvez
os democratas dos EUA e Israel julguem ser um preço razoável a pagar para conseguir
afastar Damasco (e seu aliado
Hizbollah) de Teerã, dividindo esse explosivo problema
em questões distintas.
Mas, no caso do Irã, a questão será mais difícil, devido às
ameaças deste a Israel e ao
projeto explícito de se tornar
uma potência regional.
No passado, os democratas
se aproximaram do governo
liberal de Mohammad Khatami, mas o atual dirigente [o
presidente Mahmoud Ahmadinejad] tem uma postura
inaceitável para qualquer administração da Casa Branca.
A esperança seria Ahmadinejad atenuar sua agenda por
pressão da Rússia e da China,
com base numa convergência
dos EUA com esses dois.
Um mini-Iraque
Já o caso do Afeganistão e
do Paquistão também deve
ser revisado. O primeiro está
se convertendo num mini-Iraque, e é preciso buscar
uma acomodação com o Paquistão, cujo mal-estar com a
administração Bush ficou patente na última visita de Pervez Musharraf [ditador do
Paquistão] a Washington.
A pressão para "fazer mais"
na guerra ao terrorismo está
desestabilizando o país, com
resultados graves para a região. Nesse caso, também o
trabalho inicial dos democratas será o de retomar boas relações com tradicionais aliados, penalizados pela diplomacia Bush.
Enfim, parte do esforço de
uma nova diplomacia, que deve se iniciar já neste governo,
será o de reparar danos graves infligidos ao próprio sistema de alianças americano e,
paulatinamente, buscar uma
saída para o conflito iraquiano que permita a retirada militar sem o colapso do governo local.
Aí também é possível uma
convergência com o Irã, envolvendo sua atenção para
com o problemático vizinho
iraquiano e afastando-o do
cenário libanês.
Mas o caminho será difícil,
pois, mesmo com o protesto
nas urnas, a sociedade americana ainda se sente vulnerável e necessita de um cenário
estável para retomar o caminho pré-11 de Setembro.
PAULO FAGUNDES VIZENTINI é professor
de relações internacionais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Relações Internacionais do Brasil" (Fundação Perseu Abramo), entre outros livros.
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