São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Incerto amanhã/ Oriente Médio

Conversa afiada

Nova diplomacia para o Iraque, enfraquecimento do antiamericanismo no continente, menos restrições às artes e mais atenção ao ambiente do planeta são algumas das perspectivas vislumbradas com a vitória democrata nos EUA

PAULO FAGUNDES VIZENTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

As raízes mais profundas da vitória eleitoral dos democratas se encontram no Oriente Médio, e é de esperar uma gradual mudança de rumos da diplomacia dos EUA para a região. Sem dúvida, a presença militar no Iraque é a questão principal, pois a sociedade norte-americana não está disposta a pagar um elevado tributo de sangue.
Não será fácil encontrar uma solução, mas os democratas, além de possivelmente elegerem o próximo presidente, seguramente alterarão o rumo da atual administração. Eles devem buscar um acordo amplo para a questão, respeitando os aliados árabes e os ressentidos da invasão de 2003 (europeus e russos).
Da mesma forma, é de prever o apoio de Washington à retomada de negociações de paz entre Israel e os palestinos, até porque o Estado hebreu já buscava uma solução, ainda que unilateral. Mas a questão do Líbano pode ser mais complexa.
É verdade que o conceito de "eixo do mal" [Irã, Iraque e Coréia do Norte] deve ser progressivamente atenuado (bem como o de "organização terrorista"), com efeitos positivos no caso norte-coreano e, talvez, no sírio.

Preço a pagar
Se a pressão americana sobre este último for afrouxada e garantida a sobrevivência do regime, poderá haver algum resultado positivo no Líbano, onde a Síria tentará manter influência para negociar as colinas de Golã. Talvez os democratas dos EUA e Israel julguem ser um preço razoável a pagar para conseguir afastar Damasco (e seu aliado Hizbollah) de Teerã, dividindo esse explosivo problema em questões distintas.
Mas, no caso do Irã, a questão será mais difícil, devido às ameaças deste a Israel e ao projeto explícito de se tornar uma potência regional. No passado, os democratas se aproximaram do governo liberal de Mohammad Khatami, mas o atual dirigente [o presidente Mahmoud Ahmadinejad] tem uma postura inaceitável para qualquer administração da Casa Branca. A esperança seria Ahmadinejad atenuar sua agenda por pressão da Rússia e da China, com base numa convergência dos EUA com esses dois.

Um mini-Iraque
Já o caso do Afeganistão e do Paquistão também deve ser revisado. O primeiro está se convertendo num mini-Iraque, e é preciso buscar uma acomodação com o Paquistão, cujo mal-estar com a administração Bush ficou patente na última visita de Pervez Musharraf [ditador do Paquistão] a Washington.
A pressão para "fazer mais" na guerra ao terrorismo está desestabilizando o país, com resultados graves para a região. Nesse caso, também o trabalho inicial dos democratas será o de retomar boas relações com tradicionais aliados, penalizados pela diplomacia Bush.
Enfim, parte do esforço de uma nova diplomacia, que deve se iniciar já neste governo, será o de reparar danos graves infligidos ao próprio sistema de alianças americano e, paulatinamente, buscar uma saída para o conflito iraquiano que permita a retirada militar sem o colapso do governo local.
Aí também é possível uma convergência com o Irã, envolvendo sua atenção para com o problemático vizinho iraquiano e afastando-o do cenário libanês.
Mas o caminho será difícil, pois, mesmo com o protesto nas urnas, a sociedade americana ainda se sente vulnerável e necessita de um cenário estável para retomar o caminho pré-11 de Setembro.


PAULO FAGUNDES VIZENTINI é professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Relações Internacionais do Brasil" (Fundação Perseu Abramo), entre outros livros.


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