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Minorias
A virada hispânica
David Maung - 10.set.2005/Associated Press
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Padres, em lados separados da cerca entre México e EUA, rezam em memória dos que morreram ao atravessar a fronteira |
MANUELA CARNEIRO DA CUNHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O que os dois anos
do segundo governo Bush, com sua
maioria republicana no Congresso,
representaram para os chamados hispânicos é sabido. Um
muro -ou melhor, uma muralha-, antes de mais nada. Bush
queria dar uma no cravo e outra na ferradura. A muralha entre os EUA e o México era para
agradar à direita dos republicanos. Essa passou evidentemente no Congresso.
Mas, para não perder o voto
hispânico, que vinha aumentando (31% dos votos hispânicos foram para ele nas eleições
de 2000 e subiram para 44% na
reeleição), Bush queria introduzir também um processo de
legalização dos imigrantes ilegais já instalados nos EUA. Essa lei foi rechaçada pelo Congresso. Sobrou o muro.
Só há dois partidos que contam nos EUA, e eles têm representantes em números muito
semelhantes. Isso significa que
há um grande peso eleitoral
possível para minorias organizadas. É a própria estrutura política do país que lhes confere
essa oportunidade.
No espectro dito "étnico", o
voto hispânico era o voto mais
cobiçado pelo Partido Republicano, porque se considera que
entre os outros há pouco espaço para crescimento: os negros,
por exemplo, votam sistematicamente no Partido Democrata em uma proporção de quase
90%; a estratégia dos republicanos em relação a eles é tentar
impedir que votem.
Atração democrata
Nestas eleições para o Congresso, comparando-as com as
de 2002, houve um aumento do
voto no Partido Democrata em
todos os grupos étnicos, tais como os entendem os americanos: o voto asiático democrata
passou de 56% em 2002 para
67% agora; quanto aos brancos,
passaram de 41% para 48% os
que votaram nos democratas.
Mas a subida mais espetacular do voto nos candidatos democratas foi a dos hispânicos:
de 53% em 2002, passaram para 73% nas eleições de terça-feira passada. Os números são
do "Wall Street Journal".
Por uma série de contingências, incidindo sobre uma estrutura política, pode-se argumentar, como fez [o antropólogo] Marshall Sahlins, que a história extraordinária de Elián
Gonzalez -o menino cubano
naufragado, cuja mãe morrera
tentando aportar na Flórida e
que o governo Clinton mandou
restituir a seu pai, em Cuba-
fez com que os cubanos da Flórida votassem maciçamente
contra os democratas em 2000.
A Flórida foi o Estado que decidiu as eleições presidenciais.
Em certo sentido, sem o naufrágio de Elián Gonzalez, não
teria havido a era Bush e muitas
de suas desgraças.
Os hispânicos -para continuar usando um termo tipicamente norte-americano, que
inclui gente com histórias e interesses diversos, desde cubanos exilados, brasileiros, peruanos, panamenhos mas também uma maioria de mexicanos e guatemaltecos- têm em
comum o problema da significativa proporção de imigrantes
na ilegalidade que são parentes
de imigrantes legalizados e pais
de americanos natos.
A cruzada antiimigração ilegal da última década, reforçada
depois do 11 de Setembro, só fez
aumentar as histórias dramáticas de famílias separadas ou
ameaçadas de separação.
Agenda social
Os hispânicos podem ter tido
assim um papel decisivo nas viradas da política norte-americana contemporânea. A recíproca não é, no entanto, verdadeira: a mudança no Congresso
não significa necessariamente
uma mudança no tratamento
da questão dos imigrantes.
É mais, por serem em grande
medida pobres, que os hispânicos devem se beneficiar com o
novo Congresso.
Baixar o preço dos remédios,
repensar a Guerra do Iraque e
repensar os cortes de impostos
para os ricos estão na agenda do
Partido Democrata.
Para que mude também o
tratamento dos imigrantes ilegais, é necessário, entre outras
coisas, que a direção do Partido
Democrata se imponha sobre
seus membros de forma clara.
Vários deles foram eleitos com
programas anticasamento gay,
antiaborto, anti-restrição de
armas... e antiimigrantes.
MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga e professora na Universidade de Chicago.
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