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Células-tronco e clonagem
Embriões descongelados
LYGIA PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
s células-tronco
embrionárias
(CTEs) são o tipo
mais versátil de células-tronco até
hoje identificado, capazes de
dar origem a todos os tecidos
do corpo e, por isso, grande
promessa de cura para muitas
doenças.
As primeiras linhagens de
CTEs humanas surgiram em
1998 e, com elas, a enorme polêmica sobre o início da vida
humana, já que até hoje temos
que destruir um embrião humano para obtê-las. Enquanto
alguns vêem a utilização desse
embrião para pesquisa como
uma oportunidade de salvar
vidas, outros consideram isso
um assassinato.
Entre eles estão o presidente George W. Bush, que em
2001 anunciou que seu governo não financiaria pesquisas
que envolvessem destruição
de embriões humanos, nem
aqueles excedentes de ciclos
de fertilização in vitro abandonados em congeladores.
Neste ano, congressistas
aprovaram projeto de lei que
permitiria o uso desses embriões congelados em pesquisas -porém, foi vetado por
Bush, o primeiro em sua carreira na Presidência.
Agora, com a vitória do Partido Democrata nas eleições
parlamentares, surge uma
grande possibilidade de mudança, apoiada pela maioria
da população norte-americana, que quer o desenvolvimento das pesquisas com CTEs
humanas em seu país.
Desperdício de recursos
Na verdade, a proibição do
uso de verbas federais para
pesquisas com embriões humanos não conseguiu abolir
esses estudos nos EUA.
Apesar de o governo federal
ser a principal fonte de verbas
para pesquisa, lá existem muitas entidades privadas que
também a apóiam.
O que a proibição do governo Bush causou foi um enorme desperdício de recursos,
em que laboratórios interessados em trabalhar com CTEs tiveram que duplicar todos os
seus equipamentos, utilizando
exclusivamente verbas privadas na compra daqueles a serem usados em pesquisas com
aquelas células. E ai de quem
olhar uma CTE embrionária
humana em um microscópio
comprado com verba federal!
Os laboratórios podem ser
vistoriados a qualquer momento, e, se alguma estiver
sendo manipulada com equipamentos federais, o pesquisador pode ir para a cadeia.
Essa situação hipócrita é
real e talvez nem tão surpreendente assim no país onde a diferença entre "fumar" e
"tragar" pode ser tão importante. Mas o fato é que, com todos os empecilhos legais, nestes anos todos o EUA foram o
país que mais publicou artigos
científicos com CTEs humanas. O grande impacto da permissão de uso de verba federal
para pesquisas com embriões
humanos será conceitual: a vitória da democracia e da racionalidade sobre o fundamentalismo religioso.
No Brasil, a Lei de Biossegurança de 2005 tornou legal a
pesquisa com embriões humanos congelados há mais de três
anos. Precisamos agora de financiamento do governo, como sempre, mas também temos que estimular a iniciativa
privada a investir em pesquisa
no país.
A participação da iniciativa
privada no desenvolvimento
científico é uma das poucas
boas lições que temos a aprender com os EUA nessa lamentável epopéia das CTEs.
LYGIA DA VEIGA PEREIRA é professora livre-docente e chefe do Laboratório de Genética
Molecular do Instituto de Biociências da USP.
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