São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Células-tronco e clonagem

Embriões descongelados

LYGIA PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A s células-tronco embrionárias (CTEs) são o tipo mais versátil de células-tronco até hoje identificado, capazes de dar origem a todos os tecidos do corpo e, por isso, grande promessa de cura para muitas doenças. As primeiras linhagens de CTEs humanas surgiram em 1998 e, com elas, a enorme polêmica sobre o início da vida humana, já que até hoje temos que destruir um embrião humano para obtê-las. Enquanto alguns vêem a utilização desse embrião para pesquisa como uma oportunidade de salvar vidas, outros consideram isso um assassinato. Entre eles estão o presidente George W. Bush, que em 2001 anunciou que seu governo não financiaria pesquisas que envolvessem destruição de embriões humanos, nem aqueles excedentes de ciclos de fertilização in vitro abandonados em congeladores. Neste ano, congressistas aprovaram projeto de lei que permitiria o uso desses embriões congelados em pesquisas -porém, foi vetado por Bush, o primeiro em sua carreira na Presidência. Agora, com a vitória do Partido Democrata nas eleições parlamentares, surge uma grande possibilidade de mudança, apoiada pela maioria da população norte-americana, que quer o desenvolvimento das pesquisas com CTEs humanas em seu país.

Desperdício de recursos
Na verdade, a proibição do uso de verbas federais para pesquisas com embriões humanos não conseguiu abolir esses estudos nos EUA. Apesar de o governo federal ser a principal fonte de verbas para pesquisa, lá existem muitas entidades privadas que também a apóiam. O que a proibição do governo Bush causou foi um enorme desperdício de recursos, em que laboratórios interessados em trabalhar com CTEs tiveram que duplicar todos os seus equipamentos, utilizando exclusivamente verbas privadas na compra daqueles a serem usados em pesquisas com aquelas células. E ai de quem olhar uma CTE embrionária humana em um microscópio comprado com verba federal! Os laboratórios podem ser vistoriados a qualquer momento, e, se alguma estiver sendo manipulada com equipamentos federais, o pesquisador pode ir para a cadeia. Essa situação hipócrita é real e talvez nem tão surpreendente assim no país onde a diferença entre "fumar" e "tragar" pode ser tão importante. Mas o fato é que, com todos os empecilhos legais, nestes anos todos o EUA foram o país que mais publicou artigos científicos com CTEs humanas. O grande impacto da permissão de uso de verba federal para pesquisas com embriões humanos será conceitual: a vitória da democracia e da racionalidade sobre o fundamentalismo religioso. No Brasil, a Lei de Biossegurança de 2005 tornou legal a pesquisa com embriões humanos congelados há mais de três anos. Precisamos agora de financiamento do governo, como sempre, mas também temos que estimular a iniciativa privada a investir em pesquisa no país. A participação da iniciativa privada no desenvolvimento científico é uma das poucas boas lições que temos a aprender com os EUA nessa lamentável epopéia das CTEs.


LYGIA DA VEIGA PEREIRA é professora livre-docente e chefe do Laboratório de Genética Molecular do Instituto de Biociências da USP.


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