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China
O fantasma democrático
LEANDRO KARNAL
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
posição do público
norte-americano
sobre a China sempre foi variável. Na
década de 1930, por
exemplo, os leitores pareciam
atraídos pelos camponeses
descritos no livro de Pearl
Buck ("A Boa Terra", de 1931),
ingênuos e destroçados pela fúria da natureza. A invasão japonesa [em 1931, que se tornou
guerra aberta em 1937] reforçava a solidariedade dos EUA,
especialmente com a divulgação das fotos de crimes de
guerra em Nanquim.
Como de hábito, o sentimento positivo não eliminava a xenofobia contra a imigração chinesa. A revolução vitoriosa dos
socialistas, em 1949, pintalgou
o "perigo amarelo" com tons
vermelhos.
Aparentemente, a vitória democrata deveria ser uma chance de uma política externa mais
flexível e de proximidade com
países como a China. Isso nem
sempre é verdade. Foram os
democratas, como Franklin
Roosevelt [1933-45], que injetaram milhões de dólares para
os arquiinimigos de Mao Tse-tung: os nacionalistas de
Chiang Kai-shek.
Também foi um democrata,
Harry Truman [1945-53], que,
em 1949, constituiu Taiwan como símbolo insular da resistência capitalista. Truman e
Lyndon Johnson iniciaram,
respectivamente, as guerras da
Coréia e do Vietnã. Esses conflitos, potencialmente agressivos sobre o território chinês,
foram encerrados por presidentes republicanos.
Finalmente, a aproximação
entre o presidente republicano
Richard Nixon e Mao foi elaborada por homens visceralmente republicanos, como Henry
Kissinger. Na década de 1970, o
pai do atual presidente dos
EUA serviu como embaixador
não-oficial em Pequim, estabelecendo laços crescentes da República Popular da China com
a potência capitalista.
Eixo global
Com as reformas chinesas
pró-capitalismo cada vez mais
evidentes nas décadas de 1980
e 90, o governo americano foi
estabelecendo uma aliança
econômica que hoje é um dos
grandes eixos da economia global. O crescimento do comércio
tendeu a atenuar a tradição de
crítica de Washington à ausência de direitos humanos.
Outros países, como Cuba,
menores em volume de interesses comerciais, parecem
praticar mais atentados aos direitos humanos... Os laços de
Bush com os chineses pareceram reforçados com os atentados do 11 de Setembro, haja vista a participação financeira chinesa na invasão do Afeganistão.
O que representa para esse
relativo idílio a vitória legislativa democrata? Toda profecia
histórica tende à inutilidade.
Porém poderíamos supor como
possibilidades uma dificuldade
crescente do Executivo atual
dos EUA em conseguir mais
verbas para o esforço de contenção em áreas tensas, como
Coréia do Norte ou Iraque.
A pauta dos direitos humanos, fortíssima no governo democrata de Jimmy Carter
[1977-81], tende a reaparecer
com os temas incômodos do Tibete ou da repressão aos estudantes na praça da Paz Celestial [em 1989, quando centenas
teriam morrido].
A substituição de uma "realpolitik" centrada exclusivamente em interesses econômicos por um eixo que leve em
conta valores como democracia
é uma possibilidade desafiadora nas relações triplas entre o
presidente dos EUA, o Congresso e a política externa.
Déficit gigantesco
É claro que o déficit gigantesco no comércio entre EUA e
China também tem um papel
explosivo, pois déficits implicam questões fiscais delicadas e
possibilidades de impostos.
Mais impostos são a pedra de
toque na sensibilidade do eleitorado norte-americano.
A grande novidade das relações EUA-China reside no fato
insuperável das relações intensas entre os dois países. O eixo
sino-americano não pode mais
ser ignorado por um Legislativo democrata ou republicano.
Mas, como foi tradicional na
Guerra do Vietnã, a queimadura de napalm só dói, de fato,
quando fotografada e exposta
no "New York Times". Não
existe nada mais interno do que
a política externa dos EUA.
LEANDRO KARNAL é chefe do departamento de
história do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
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