|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ autores
Sexo regrado
Nos 27 contos de "Ela e Outras Mulheres", Rubem Fonseca se redime do cansaço das últimas obras e retoma o bom humor
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Depois de muito
tempo produzindo
uma espécie de
versão ficcional para consumo rápido
e divertido da "Enciclopédia
Britannica", Rubem Fonseca
volta, com as narrativas curtas
de "Ela e Outras Mulheres", a
lançar um ótimo livro.
De Henry James, Machado
de Assis, Tchekov a Borges ou
Cortázar, não é difícil constatar
que todo grande contista inventa uma fórmula própria de
lidar com o gênero, que adquire, assim, características muito
particulares. Apesar dessas diferenças, contudo, existem,
historicamente, traços mínimos: o tamanho limitado (para
ser lido de uma só vez, como
propunha Poe), uma situação
restrita, poucos personagens, o
efeito surpreendente.
Muito da força destes contos
de Fonseca decorre da recuperação quase obsessiva dessas
"regras elementares".
Em 27 histórias com nomes
de mulheres em ordem alfabética, de Alice a Zezé, passando
por denominações tão expressivas quanto Belinha, Carlota,
Fátima Aparecida, Jéssica, Nora Rubi ou Raimundinha, o escritor se atém ao essencial, utilizando com muita felicidade o
diálogo rápido e, principalmente, a estratégia da reversão
de expectativas, com enredos
bem amarrados.
É desse modo, por exemplo,
que um caso de pedofilia termina não só por ser aceito como
até mesmo incentivado por um
pai preocupado com o bem-estar do filho ou que o machão
das redondezas resolve, apaixonado, aceitar cozinhar, lavar
e passar ou ainda, numa das
melhores narrativas do volume, que o homem que só gostava de mulheres bonitas decida
que isso era pecado e que ele
precisava arrumar uma feia:
"Não consegui dormir. Eu não
estava perdoado. Sabia apenas
que seria perdoado quando namorasse uma mulher feia. Mas,
ao contrário do que pensa a
maioria das pessoas, arranjar
uma mulher feia é mais difícil
do que conseguir uma bonita.
Certas feias sublimaram o desejo e se emparedaram defensivamente em variadas obsessões; outras o excluíram do
campo da consciência. Todas
se defendem com explicações
que acreditam coerentes para o
comportamento adotado, sem
perceber o verdadeiro motivo:
elas são feias e nenhum homem quer saber delas".
Humor revigorado
O leitor habitual de Rubem
Fonseca vai encontrar aqui as
marcas usuais do escritor: a
violência, o sexo extremado, a
crueza das situações, a banalização dos atos transgressivos, o
desencanto, o reaparecimento
de personagens em mais de
uma história.
Mas vai perceber, também,
que um certo tom cansado e
blasé dos últimos livros cedeu
lugar a um bom humor revigorado e, às vezes, a um trato quase redentor do ser humano
(que, diga-se de passagem, não
tem nada de cristão).
Nenhum escritor produz
apenas obras-primas, e talvez
Fonseca nunca mais crie algo
como "O Inimigo", "A Força
Humana" ou "Feliz Ano Novo",
mas é inegável que, com "Ela e
Outras Mulheres", se pode celebrar seu retorno.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
da USP Leste.
ELA E OUTRAS MULHERES
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 34 (176 págs.)
Texto Anterior: China: O fantasma democrático Próximo Texto: Nietzsche, Bob Dylan, Janis Joplin, Platão... Índice
|