São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Sexo regrado

Nos 27 contos de "Ela e Outras Mulheres", Rubem Fonseca se redime do cansaço das últimas obras e retoma o bom humor

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Depois de muito tempo produzindo uma espécie de versão ficcional para consumo rápido e divertido da "Enciclopédia Britannica", Rubem Fonseca volta, com as narrativas curtas de "Ela e Outras Mulheres", a lançar um ótimo livro.
De Henry James, Machado de Assis, Tchekov a Borges ou Cortázar, não é difícil constatar que todo grande contista inventa uma fórmula própria de lidar com o gênero, que adquire, assim, características muito particulares. Apesar dessas diferenças, contudo, existem, historicamente, traços mínimos: o tamanho limitado (para ser lido de uma só vez, como propunha Poe), uma situação restrita, poucos personagens, o efeito surpreendente.
Muito da força destes contos de Fonseca decorre da recuperação quase obsessiva dessas "regras elementares". Em 27 histórias com nomes de mulheres em ordem alfabética, de Alice a Zezé, passando por denominações tão expressivas quanto Belinha, Carlota, Fátima Aparecida, Jéssica, Nora Rubi ou Raimundinha, o escritor se atém ao essencial, utilizando com muita felicidade o diálogo rápido e, principalmente, a estratégia da reversão de expectativas, com enredos bem amarrados.
É desse modo, por exemplo, que um caso de pedofilia termina não só por ser aceito como até mesmo incentivado por um pai preocupado com o bem-estar do filho ou que o machão das redondezas resolve, apaixonado, aceitar cozinhar, lavar e passar ou ainda, numa das melhores narrativas do volume, que o homem que só gostava de mulheres bonitas decida que isso era pecado e que ele precisava arrumar uma feia: "Não consegui dormir. Eu não estava perdoado. Sabia apenas que seria perdoado quando namorasse uma mulher feia. Mas, ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, arranjar uma mulher feia é mais difícil do que conseguir uma bonita.
Certas feias sublimaram o desejo e se emparedaram defensivamente em variadas obsessões; outras o excluíram do campo da consciência. Todas se defendem com explicações que acreditam coerentes para o comportamento adotado, sem perceber o verdadeiro motivo: elas são feias e nenhum homem quer saber delas".

Humor revigorado
O leitor habitual de Rubem Fonseca vai encontrar aqui as marcas usuais do escritor: a violência, o sexo extremado, a crueza das situações, a banalização dos atos transgressivos, o desencanto, o reaparecimento de personagens em mais de uma história.
Mas vai perceber, também, que um certo tom cansado e blasé dos últimos livros cedeu lugar a um bom humor revigorado e, às vezes, a um trato quase redentor do ser humano (que, diga-se de passagem, não tem nada de cristão).
Nenhum escritor produz apenas obras-primas, e talvez Fonseca nunca mais crie algo como "O Inimigo", "A Força Humana" ou "Feliz Ano Novo", mas é inegável que, com "Ela e Outras Mulheres", se pode celebrar seu retorno.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP Leste.

ELA E OUTRAS MULHERES
Autor:
Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 34 (176 págs.)



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