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A "Bibliotheca" é um livro que visa salvar os livros que não existem mais;
a ele se deve boa parte do que se conhece hoje da literatura grega
O patriarca da memória
Mario Vitor Santos
especial para a Folha
Um livro raro, escrito há mais de 11
séculos, trazido de Portugal por d.
João 6º em sua bagagem e achado na
Biblioteca Nacional do Rio. Esta era
uma motivação grande o suficiente
para que o historiador e filólogo italiano Luciano Canfora viesse pela primeira vez ao
Brasil. Autor de um livro controvertido sobre a biblioteca de Alexandria, Canfora agora busca pistas
de um outro livro sobre livros que não existem mais,
uma obra circular até no nome: "Bibliotheca".
Trata-se do livro do patriarca bizantino Fócio
(820-891), que se dedicou a escrever descrições dos
melhores e mais raros livros que conseguiu reunir
em todos os cantos do mundo antigo. A "Bibliotheca" resume mais de 270 livros, quase todos desaparecidos, e dos quais só se sabe da existência por meio
de Fócio, que é considerado uma espécie de pai da
resenha literária. Além de intelectual, Fócio foi patriarca de Constantinopla em duas ocasiões.
A partir do trabalho de Canfora, dois exemplares
da "Bibliotheca", ou "Fócio", como é também chamado, foram localizados na Biblioteca Nacional, do
Rio. Eles estão no Brasil desde 1808, quando d. João
6º, perseguido por Napoleão, deixou Lisboa às pressas para refugiar-se no país, trazendo sua biblioteca
na bagagem.
Assim que surgiu, a "Bibliotheca" foi considerada
herética e sua reprodução proibida, apesar de o autor ter sido canonizado desde o século 10. O livro só
teve a primeira impressão no início do século 17, por
editores protestantes. Os dois exemplares localizados no Rio são de uma outra edição, impressa em
Rouen em 1653 e submetida a censura em parte da tiragem. Em visita ao bibliófilo José Mindlin, em São
Paulo, Canfora pôde confirmar que nessa época as
tiragens variavam de 450 a 500 exemplares. O caçador de "Bibliothecas" desaparecidas já localizou
quase todos.
Qual é a importância histórica de Fócio?
Fócio é um personagem a quem devemos boa parte
do que se conhece da literatura grega -profana e
teológica- em prosa. Nascido de uma grande família de Constantinopla, muito religiosa, inimigo dos
iconoclastas, pois seu pai e seu avô sofreram com a
perseguição religiosa ao tempo em que o imperador
favoreceu os iconoclastas, Fócio veio a ser um dignitário e, em seguida, tornou-se patriarca, isto é, chefe
da igreja de Constantinopla.
Na época, a Igreja era policéfala, havia cinco patriarcas na cristandade: em Roma (o papa), Constantinopla, Alexandria, Jerusalém e Antioquia.
Em Roma, havia um papa que não tinha grande
poder político, tanto que o patriarca de Constantinopla era, de sua parte, o imperador de Bizâncio, o que
equivale a dizer, o imperador romano.
Era difícil para o patriarca de Constantinopla aceitar ser subordinado à autoridade moral do papa. A
luta que se abre entre Constantinopla e Roma justamente na época em que Fócio era patriarca está ligada no fundo ao problema da primazia, ou seja, se Roma deve ter a primazia sobre os outros patriarcados
ou não. E Fócio evidentemente diz não.
Mas, se esse é um personagem de primeiro nível
para a história da Igreja e a história em geral, é também de primeiro nível do ponto de vista da renascença no Oriente. A renascença bizantina, por assim
dizer, começa com ele. É o seu amor pelos livros que
o animou a pesquisar por todos os lugares. Colecionava-os infatigavelmente. Procurava raridades, não
comprava volumes nas livrarias.
Sua coleção era, na grande maioria, de peças únicas. Com seus alunos, lia os textos, comentava, fazia
extratos, juntava em fichários. Era um trabalho de
elite, uma elite cultivada que se reunia em torno dele,
formada com critérios bastante amplos, não segundo essa idéia ocidental da aristocracia hereditária.
São artesãos, pessoas da Igreja, até pescadores. Isso
é sabido por um texto muito conhecido, as atas do
Concílio Ecumênico que se reuniu em Constantinopla em 869 e que condenou Fócio, em consequência
da aliança que se estabeleceu entre o imperador de
Bizâncio e o papa. Fócio, posteriormente, foi capaz
de reverter a situação e recuperar a
posição patriarcal, razão de minha
simpatia total por ele.
É curioso, porque a Igreja bizantina lutava encarniçadamente com Roma por mais
autonomia, mas também era intolerante
no plano interno.
O círculo de leitores é considerado
perigoso pela ala mais obscurantista
da Igreja de Bizâncio. Inácio, o patriarca anterior, fora perseguido no momento em
que Fócio assume o posto. Não é o santo Ignácio de
Loyola, é o santo Inácio da Igreja grega, assim como
Fócio, que também é santo. A Igreja bizantina tem
esse caráter eclético. Os adversários se tornaram santos, os dois. Santo Inácio permaneceu no posto por
algum tempo antes de Fócio ser renomeado patriarca.
Mas, no momento daquela queda, em que ele estava na prisão, os livros e notas foram confiscados,
uma parte ao menos da coleção foi destruída. A coleção em si era considerada como algo temível. Alguma coisa foi queimada em público, o que é descrito
nas atas do concílio de maneira um pouco obscura.
Depois da condenação, Fócio conseguiu recuperar
as notas de leitura, mas grande parte dos livros desaparecera. Ele copiou essas notas e é dessa maneira
que nasceu a "Bibliotheca", cujo título verdadeiro é
"Lista Razoável dos Livros Que Eu Li", encontrado
no manuscrito de Veneza, talvez contemporâneo do
autor.
É então um livro que tem o propósito de salvar os
livros que já não existem mais, de salvar a memória
destes livros. Há consequências negativas disso. No
momento em que as notas foram copiadas os livros
já não estavam lá, nem foram incluídas as notas que
foram apostas junto ao texto dos livros.
Como se sabe que as obras incluídas na "Bibliotheca" foram destruídas?
Porque, imediatamente depois de Fócio, os grandes
sábios já não conheciam os livros dos autores que ele
tinha estudado, mas conheciam a "Bibliotheca". E o
fato de que tenha sido salvo, em Veneza, na biblioteca de Bessarião, um exemplar desse livro, é para nós
uma ocasião preciosa. Ele nos dá de presente os livros com que os bizantinos obtinham prazer.
Como para nós, que estudamos a tradição clássica,
grega em particular, o problema principal é saber como determinar a escolha do que chegou até nós, um
livro como a "Bibliotheca" de Fócio é mais importante do que qualquer outro. Ele nos dá trechos, algumas vezes em dezenas e dezenas de páginas, dos
autores que se perderam. Meu objetivo é escrever
uma história da gênese deste volume e também da
tradição de suas impressões.
Como a "Bibliotheca" foi descoberta?
O livro chegou ao Ocidente no início
do século 15 pelo cardeal Bessarião,
que vivia entre Roma e Veneza. Ao
morrer, em 1448, deixou sua coleção
de manuscritos para a República de
Veneza. A coleção ficou guardada na
Biblioteca de São Marcos, na praça
célebre de Veneza. Os manuscritos de
Bessarião ficaram em caixas por dezenas de anos porque a república não tinha ninguém para administrar. Sabia-se da existência de um tesouro
naquelas caixas, mas não de Fócio.
Talvez à época do concílio de Trento (1545-63), ou um pouco antes, tenham aparecido dois personagens.
Um deles, Henri Estienne, grande helenista parisiense, pertencente a uma
memorável família de tipógrafos helenistas, protestante e exilada em Genebra, retornado à França duas gerações mais tarde, foi também embaixador em Roma. O outro é d. Diego
Hurtado de Mendoza, grande humanista, representante do poder político
católico, mas intimamente cético.
Henri Estienne, de um lado, e don Diego, de outro,
descobriram o Fócio em Veneza e o recopiaram. A
cópia de Estienne está na Biblioteca de Londres, a de
Hurtado, no Escorial, em Madri. Ambos não publicaram o texto. Estienne, porque escolheu uma via
um pouco comercial. Publicou como achados seus
os autores profanos que Fócio resumira em algumas
partes da "Bibliotheca". Autores que não existem
mais. Publicou Ctésias, um historiador grego do início do século 4 a.C., de que não existe registro. Fócio
dedica a ele 30 páginas. Estienne disse ter encontrado Ctésias, só não disse onde o encontrou.
De tempos em tempos, ele publicava uma novidade, conquistou um prestígio enorme, era um milagre, evidentemente. De outro lado, Urtado não publicou o texto, não por falta de interesse, mas porque
a Igreja Católica era contra.
Por que a "Bibliotheca" demorou tanto para ser impressa?
Os jesuítas, sobretudo, diziam que não se devia publicar a obra de um heresiarca. Estamos a partir de
então na mesma época do Index Librorum Prohibitorum, o índex de livros proibidos. Os heresiarcas
são proibidos em bloco. Não se pode ter nem publicar Lutero, Calvino, mas também Fócio, Filostórgio,
Ario. Foi tudo queimado. A primeira edição impressa apareceu na Alemanha, em Augsburgo, em 1601,
por um editor luterano. Aí começa a história da impressão de Fócio, que dura até o século 19.
Comecei por uma edição publicada em Rouen em
1653. É célebre, exaltada hoje injustamente por várias razões, mas é a última antes da edição moderna.
Descobri que essa edição foi submetida a censura,
páginas foram cortadas no início. Estou tentando fazer uma lista completa dos exemplares existentes.
Amigos de todo o mundo estão fazendo consultas
nas bibliotecas mais importantes. Tive o prazer de
constatar a existência de dois exemplares da "minha
edição" no Rio. Os exemplares que escaparam à censura são quatro. E porque há uma razão precisa para
que sejam esses quatro, eu tenho o dever científico
de pesquisar os outros. Preciso estar preparado para
a descoberta de um quinto ou sexto.
Como o sr. localizou os mais de 450 volumes da edição?
Fiz contato por carta. Há instituições que permitem
que se conheça tudo o que é procedente da França,
por exemplo, ou ainda, com igual eficácia, tudo o
que se publicou na Alemanha. Na Inglaterra, publicou-se um catálogo de bibliotecas de catedrais. Assim, podemos escrever para cada catedral e consultar. Há também um site na Internet chamado "Ex-libris", que é uma associação de fanáticos bibliômanos que trocam informações sobre livros do mundo
inteiro. Trocam-se mensagens de alarme do tipo
"Atenção! A biblioteca tal está ameaçada!".
Há ainda o "World of Learning", que é um repertório bem-feito, publicado anualmente com a lista
das instituições bibliotecárias de todo o mundo. Eu
escrevi às bibliotecas em busca desta edição de
Rouen e descobri o destino de quase
todos os exemplares.
É comum esse tipo de pesquisa, em que a
história de um livro é recuperada em todo
o mundo?
Efetivamente, não. Minha pesquisa
com Fócio começou em 1993, na Biblioteca de Florença, onde estão, por
exemplo, os manuscritos da família
Médicis, na pequena praça de São
Lourenço. Eu então estava envolvido
em fazer a mesma pesquisa com um
outro texto do humanista francês Denis Lambin, editor de Horácio, Lucrécio, Cícero, grande humanista e autor
de um comentário à "Vida dos Homens Ilustres" de Cornelius Nepos.
Eu tinha a intenção de localizar o
maior número possível de exemplares do comentário. Localizei cerca de
20 entre França, Itália e Inglaterra.
Abandonei, porque era suficiente para mim constatar o fenômeno. Não
interessava saber quantos exemplares
foram impressos com as 12 páginas
de acréscimo e quantos não. Foi a pré-história de Fócio. Eu aprendi o modo de realização
de uma edição à época.
Não se imprimia uma edição inteira de uma vez.
Imprimia-se muito calmamente. As grandes folhas
eram impressas a mão durante meses e meses. Então, eventualmente, o conhecimento de uma parte
da obra era difundida. Se havia contestação pública,
você tinha a possibilidade de replicar ainda durante
a impressão. Os livros não eram necessariamente
encadernados. Circulavam como os manuscritos,
sem encadernação, como fascículos.
No momento em que o livro entrava na biblioteca,
ele era então magnificamente encadernado, de maneira definitiva. Assim, a distinção entre provas, folha de estampa e o livro em si era bastante nuançada,
tanto no século 16 quanto no 17.
Em que medida a própria Igreja preservava os textos que
considerava heréticos?
Pegue um livro inocente, como a "Antologia Grega
Palatina". Mesmo o destino de sua impressão não foi
totalmente inocente, elementos de tipo ideológico-culturais foram aplicados aqui e ali. A biblioteca palatina, por exemplo, foi impressa em Heidelbergue
em 1621 e 22. Depois, foi para Roma graças a um
grande estudioso, Leone Allacci, um bibliotecário do
papa que se beneficiou da derrota dos protestantes
numa batalha para privá-los deste tesouro. É por isso
que existe um fundo palatino, da Biblioteca Palatina
de Heidelbergue no Vaticano. É um despojo de guerra, o que acontece com frequência.
Como as vicissitudes históricas podem afetar os destinos
de um texto?
Se alguém se dedica, por exemplo, às relações entre
Alemanha e Rússia, vê tesouros viajando de Dresden
a Moscou e vice-versa nos séculos 18, 19 e 20. Eu sofri
muito para localizar um Demóstenes. Era um manuscrito de Dresden que estava em Moscou e que em
seguida estava em Dresden. Quando o procurei em
Dresden, ele estava na Rússia. Isso depende das relações internacionais.
No caso da Palatina, foi a mesma coisa. Quando
Napoleão invadiu Roma e prendeu o papa, o que o
torna um pouco simpático para mim, transferiu para Paris os volumes que Allacci havia levado a Roma
no século 17. Assim, os manuscritos da Biblioteca
Palatina durante os anos do consulado e do império
estavam na Biblioteca Nacional da França.
Mas os bibliotecários em Paris dividiram o manuscrito em duas partes. A maior foi para Roma no momento da queda de Bonaparte. Uma parte menor ficou lá porque os funcionários encarregados de informar a comissão em Roma não foram avisados de
que uma parte estava ainda em Paris, e lá ficou.
O interesse de Fócio por obras raras constituía um caso
isolado ou havia outros como ele?
Fócio ligou-se a personagens que viviam sob autoridade muçulmana. Teve excelentes relações com l'Emir, governador de Creta, graças a um sobrinho deste, chamado Nicolas, o místico, que também veio
aser patriarca. Sendo místico, ele tinha o direito de
ser patriarca. Os dois impérios em conflito, o grego,
isto é, o romano -os gregos se denominavam romanos à época- e o árabe, os dois impérios universais do Oriente, tinham o mesmo amor pelos livros.
Foi nessa época que os árabes descobriram a filosofia e a ciência gregas. Os árabes, portanto, também
procuravam livros nessa época. E Fócio fez amizade
com os califas, que o ajudaram a achar livros que estavam sob a soberania árabe.
O crescimento do islã foi prejudicial à transmissão dos livros da Antiguidade clássica?
Imediatamente após a conquista de Alexandria, a
tradição árabe dedicou-se à redescoberta da ciência
grega: matemática, física, ótica, geometria e medicina. Pode-se dizer, com uma fórmula rápida, que os
árabes tiveram chance de coletar nos países de cultura grega que ocuparam muito mais livros gregos do
que os que restavam no centro do império, em Bizâncio. Imediatamente exploraram essa riqueza. Solicitaram tradutores para verter para o árabe muitos
livros científicos gregos.Em Bagdá, quando a cidade
foi fundada, havia uma escola de tradutores que se
chamava a "Casa da Sabedoria".
Hunain Ibn-Isaac, o maior tradutor do grego para
o árabe que já houve, deixou um pequeno tratado
sobre tradução, do qual há uma versão em alemão. É
um livro precioso, onde ele diz entre outras coisas
que fundou à sua volta um círculo de leitores perfeitamente idêntico ao grupo de Fócio. Os dois impérios se reúnem. Os bizantinos puderam recuperar
uma parte do tesouro que haviam perdido através
do vínculo que tinham com os árabes. E os árabes foram tolerantes, aceitaram junto a eles um historiador caçado pelo império. Os heresiarcas, como os
denominavam o império cristão, refugiaram-se junto aos árabes. Estes aceitaram um patriarcado greco-cristão em Alexandria, o qual durou ao longo de todo o reinado do califa até a chegada dos turcos.
Foi com os turcos que a história mudou profundamente. Eles destruíram Bagdá e sua coleção de livros. Logo, o caminho era Egito, Bagdá, Bizâncio.
Neste triângulo é que os textos gregos reapareceram.
Como os árabes dominaram também o Ocidente, os
judeus da Espanha traduziram do árabe ao latim os
textos gregos que são reencontrados no Ocidente
através da Espanha moura. Conhece-se Aristóteles
porque ele foi traduzido do árabe para o latim. O
Ocidente recuperou Aristóteles por meio desse caminho, que coincide com a geografia da mediterraneidade. Aí está minha idéia sobre este problema.
Não lhe parece contraditório que o grande desenvolvimento dos estudos clássicos no século 20 coincida com o
uso de valores da Antiguidade pelo nazismo e pelo fascismo, com consequências históricas tão graves?
O problema histórico que está na base de sua questão é o da apropriação mais ou menos violenta, mais
ou menos correta, de valores da tradição clássica.
Grande problema que começa bem antes do século
20, evidentemente. No século 20, surge um elemento
a mais. Antes do século passado, do positivismo, da
crítica filológica, do desenvolvimento dos estudos
científicos da Antiguidade, uma exploração direta
dos valores reputados como típicos do mundo antigo era uma operação questionável. Pode-se bem
aceitar que Luís 14 tivesse a idéia de representar a
continuação de Alexandre, o Grande, ou Júlio César.
Existe difundida na cultura daquela época uma exploração da Antiguidade de tipo abertamente ideológico, que não é interessada verdadeiramente no
progresso da pesquisa. No século 20 isso não é mais
possível. A consciência do progresso da pesquisa
cresceu tanto que não permite estabelecer, como se
fez durante o fascismo, a continuidade entre os romanos e nós, italianos.
Um dos elementos capitais da ideologia de representação do fascismo é a idéia de uma Itália eterna,
que começa com Rômulo, o assassino do irmão, e
que continua com Catão, Júlio César, Aureliano e
chega até Mussolini. É uma idéia que tinha uma certa fascinação com o Ressurgimento. Esse tipo de exploração da Antiguidade, no momento em que se
produzem obras críticas admiráveis e em que a ciência histórica atinge um progresso enorme, foi uma
violência insuportável.
A exploração fascista da Antiguidade clássica foi
um fenômeno unicamente negativo. O caso alemão
é mais complicado porque lá houve ao mesmo tempo a idéia de uma superioridade germânica sobre o
mundo latino, a idéia de uma fraternidade espiritual
profunda entre o mundo germânico e o grego, o que
é uma loucura evidentemente tardo-romântica. Trata-se de uma exploração violenta e ignorante, realizada quando os estudiosos da cultura clássica na
Alemanha haviam abandonado o país, porque se
tratava também de uma classe cultivada de origem
judia e, portanto, perseguida.
Pode-se constatar que havia contradições profundas entre Alemanha e Itália, sobre se o germanismo
era superior à latinidade ou se esta, ao contrário, é o
máximo que a humanidade já viu. A Antiguidade
clássica compreende tudo, a filosofia materialista,
platônica, Tucídides e Tácito, as idéias de monarquia
e liberdade; abrange, portanto, complexas realidades. As idéias de utopia social nos traz Aristóteles,
que as discute e combate.
A herança escrita nos permite um conhecimento
amplo, nuançado, contraditório. A exploração unicamente reacionária, de um certo tipo de valor antidemocrático -uma categoria com representantes
desde pseudo-Xenofonte até o século 20-, privilegia unicamente uma linha, reduzindo os contrários.
Os estudos clássicos não coincidem com a habitual
exploração que deles faz a cultura reacionária.
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