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Viver é muito perigoso
MEMBRO DE ASSOCIAÇÃO
PRÓ-EUTANÁSIA, O
MÉDICO FRANCÊS
BERNARD SENET CONTA
COMO AJUDOU
PACIENTES A MORREREM
AGATHE LOGEART
O médico Bernard
Senet, 59 anos, é
clínico-geral em
Velleron, uma aldeia de 3.000 habitantes perto de Avignon [sul
da França]. Defensor da eutanásia voluntária, diz que estava
disposto a dar à doente Chantal
Sébire os meios de pôr fim à vida. Nesta entrevista ele conta
por quê.
PERGUNTA - O sr. é o médico que
propôs ajudar Chantal Sébire a morrer, dando-lhe o produto necessário
e assistindo-a até a morte. Ela não
era sua paciente e o sr. não a conhecia. Por que essa atitude?
BERNARD SENET - Há um ano, eu
havia assinado um manifesto
público de 2.000 médicos e cuidadores que reivindicavam o
fato de ter ajudado pacientes a
morrer. Os principais candidatos à eleição presidencial haviam se pronunciado a favor de
uma evolução da lei. Mas nada
aconteceu.
O direito a morrer com dignidade é para mim, clínico-geral
há mais de 30 anos, um compromisso essencial, militante.
Eu já ajudei pacientes a morrer
e ainda o faço.
Depois que vários médicos se
recusaram a ajudá-la, depois de
compreender que nem sequer
lhe diriam como conseguir os
produtos necessários, Chantal
Sébire dirigiu-se à Associação
pelo Direito de Morrer com
Dignidade: compreendeu que
havia um combate a travar e decidiu pôr fim a sua vida a serviço desse combate, da causa da
eutanásia voluntária.
Como o médico que acompanhara a paciente durante toda a
sua doença se recusava a associar-se a esse procedimento,
aceitei que meu nome aparecesse no pedido feito ao tribunal de Dijon para obter o direito a uma eutanásia ativa.
Eu não a teria praticado sem
a autorização da Justiça. Havíamos pensado que ela aceitaria nosso pedido, mas isso não
aconteceu. E Sébire morreu
sem nossa ajuda.
PERGUNTA - Mas o sr. não conhecia
essa pessoa?
SENET - Não. Mas conversamos
duas vezes por telefone. Na primeira vez, no dia seguinte à homologação do pedido, falamos
longamente. Ela sabia por onde
estava andando.
Explicou-me sua doença, sabia que corria o risco de morrer
em pouco tempo, fosse por hemorragia ou por hipertensão
intracraniana. Ela já tinha perdido o olfato, o paladar, a visão.
Sofria terrivelmente. Era intolerante à morfina. Os outros
medicamentos que lhe prescreveram para acalmar as dores
não eram suficientemente eficazes e a faziam dormir, o que
ela não suportava.
Ela me disse que estava contente por eu aceitar ajudá-la.
Depois me falou sobre sua filha de 12 anos, que, ao que parece, era uma de suas maiores
preocupações. Ela não queria
de modo nenhum impor à menina a visão de uma morte violenta, como é o caso de uma hemorragia. Dizia querer que a ajudássemos a morrer em condições de tranqüilidade, como
as definimos na ADMD.
Assim que entramos em
acordo, foi preciso que eu conseguisse o produto, Pentothal
[barbitúrico], em quantidade
significativa, sim, mas isso não
foi muito complicado. E depois
eu iria encontrá-la.
Falei com ela rapidamente
uma segunda vez, alguns dias
depois. Estava muito mal. Sangrava muito. Sentia que a doença se agravava rapidamente.
Estava muito cansada, muito
deprimida e cada vez mais
preocupada com sua filha, com
a dificuldade em que se encontrava para lhe explicar que havia decidido partir. O julgamento seria no dia seguinte.
Mas a Justiça recusou seu pedido. E Chantal Sébire partiu de
outra maneira.
PERGUNTA - Se é um ato que o sr.
costuma praticar na clandestinidade, por que dessa vez procurou a
Justiça e respeitou sua decisão?
SENET - Durante minha vida de
médico, pratiquei a eutanásia
ativa uma ou duas vezes por
ano. Mas sempre com pacientes que acompanhei ao longo
de toda a sua história. Lembro-me muito bem da primeira vez.
Era uma menina de 12 anos,
vítima de uma forma muito rara de câncer. Por dois anos,
com uma coragem incrível, cercada de seus pais, lutou contra
a doença. Aos 14 anos me disse
que não agüentava mais e que
desejava partir. Eu a ajudei.
O caso de Chantal Sébire é
muito diferente. Para ela, mas
também para mim, era um ato
de militância. A ADMD e eu decidimos não infringir a decisão
do tribunal. Por temermos uma
epidemia de pedidos, mas também porque o objetivo da associação não é ajudar as pessoas
fora da lei, e sim fazer com que
a lei seja modificada.
PERGUNTA - Mas Chantal Sébire
não morreu da doença, como parecem confirmar os primeiros elementos da autópsia.
SENET - Se ela se suicidou, tinha
esse direito e todos os motivos
para fazê-lo. Criminalizar os
que ajudaram Chantal Sébire a
se suicidar, seja quem for, não é
evidentemente o melhor caminho. Mas é evidentemente uma
opção política, e é preocupante.
Com a autópsia que foi decidida, impõe-se um sofrimento
suplementar e inútil à família,
que já sofreu tanto...
Se o inquérito permitir descobrir a identidade dos que ajudaram Chantal Sébire a morrer, serão estigmatizadas pessoas que tentam ajudar outras
que pedem socorro no fim da
vida. No fundo, isso mostra
apenas que, apesar da importância do debate que hoje sacode a França, estamos vivendo
um verdadeiro retrocesso.
Ao contrário do aborto,
quando as mulheres se levantaram para dizer que tinham
abortado e conseguiram fazer
mudar a lei, para a interrupção
voluntária da vida quem irá se
levantar? Os moribundos? Se
não quiseram escutar Chantal
Sébire, quem vai nos escutar?
A íntegra desta entrevista saiu na revista "Nouvel Observateur".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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