São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009 |
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Memórias de putas tristes
Negócio do sexo, incluindo pedofilia, movimenta bilhões de dólares nos grandes centros da tailândia e sustenta famílias de camponeses pobres no interior
MARCELO NINIO ENVIADO ESPECIAL A BANCOC
Um corredor estreito de paredes azulejadas, um lance
curto de escadas
ocupado parcialmente por uma oferenda budista, e uma porta se abre.
No saguão de desembarques do aeroporto internacional de Suvarnabhumi, é preciso olho clínico para detectar algum vestígio do festival de excessos que é marca registrada da cena erótica local. Mas a oferta começa no percurso de táxi do aeroporto até o centro. Enquanto uma pequena TV de tela plana exibe um show do guitarrista Santana, o motorista mostra folhetos de casas de massagens. Em qualquer viagem de táxi ou tuc-tuc (triciclo), a proposta é quase inevitável quando os passageiros são estrangeiros do sexo masculino. E eles são muitos. A Tailândia recebe anualmente cerca de 15 milhões de visitantes do exterior, três vezes mais do que o Brasil. Seis em cada dez são homens, muitos em busca de sexo fácil e barato. Um deles foi Frédéric Mitterrand, ministro da Cultura da França, que numa autobiografia de 2005 ["La Mauvaise Vie", A Vida Má, ed. Robert Laffont, 360 págs., 2005, 20, R$ 52) contou ter pago para fazer sexo com "jovens garotos" no país. A confidência, que recentemente gerou polêmica e pressão política para que Mitterrand renunciasse, também jogou luz sobre as motivações dos turistas sexuais. "A abundância de jovens garotos muito atraentes e imediatamente disponíveis me coloca em um estado de desejo que já não preciso esconder", escreveu o sobrinho do ex-presidente François Mitterand (1981-95). "A moral ocidental, a culpabilidade de sempre, a vergonha que arrasto somem." Boa parte da polêmica foi deflagrada pelas indicações de pedofilia no relato de Mitterrand, embora o ministro tenha negado qualquer contato com menores. Sexo com crianças consta do cardápio do turismo sexual na Tailândia, mas é menos comum do que se pensa. A pedofilia (sexo com crianças pré-púberes) geralmente é confinada ao âmbito familiar e praticada por padrastos, irmãos e vizinhos. Mas grupos de proteção à criança advertem que a fronteira é tênue e que a maioria dos turistas sexuais acaba tendo contato sexual com menores. Até 40 mil menores Segundo a Ecpat, organização de Bancoc que fornece dados à ONU, de 30 mil a 40 mil menores são explorados sexualmente na Tailândia, muitos vítimas de tráfico de países vizinhos, sobretudo Mianmar. Um número alarmante, mas pequeno diante do total. O governo estima em 300 mil os profissionais do sexo no país, mas o número pode ser até dez vezes maior, segundo ONGs. A tolerância do governo tailandês com a prostituição e o tráfico humano é alvo frequente de organizações civis. Mas em relatório de 2008, o Alto Comissariado de Refugiados da ONU reconhece que houve avanços, como a intensificação de campanhas contra a pedofilia e prisão e deportação de estrangeiros flagrados com crianças. Há poucas estatísticas confiáveis sobre turismo sexual. Isso reflete o caráter clandestino do setor, mas também a atitude ambígua dos países: têm interesse no capital de fora, mas temem que a fama de paraíso sexual afaste outros públicos. "É a velha lei da economia, uma questão de oferta e procura", diz Kanenungnit Chotikakul, diretora de relações públicas da Autoridade de Turismo. "Contanto que não haja violência nem crianças envolvidas, temos que aceitar." A indústria do sexo tailandesa movimenta grandes somas e que sustenta uma parcela considerável da população. Mesmo nas mais luxuosas casas de massagem, o programa mais caro terá um custo que visitantes de países ricos consideram uma pechincha. "Tenho um cliente japonês que vem todo mês passar algumas horas com a número 76, nossa menina mais cara", diz o gerente de uma das maiores casas de massagem de Bancoc, um complexo de três andares que inclui campo de minigolfe, restaurante e casa de shows. "Por três horas, paga 6.000 bahts, uma fortuna para um tailandês", diz ele, lembrando que essa é a renda mensal da maior parte da população. "Mas dá para entender: afinal, ela já foi capa da "Penthouse"." "Área de recreação" A disparidade de renda entre as duas pontas do negócio alimenta o comércio sexual e o ressentimento entre tailandeses e estrangeiros. Isso começou com a Guerra do Vietnã [1959-75], quando o Exército norte-americano adotou a Tailândia como "área de recreação" para seus soldados. Foi o ponto de partida para que o país se transformasse num dos principais destinos do turismo sexual do planeta. Único país da região que não foi colonizado por uma potência estrangeira, a Tailândia passou a ser vítima de uma espécie de "colonização sexual", diz Siriporn Skrobanek, da Fundação para a Mulher, de Bancoc. "Por causa da pele escura e da pobreza, os estrangeiros acham que podem fazer o que quiserem com as mulheres", conclui. Folha Online Veja imagens em vídeo das áreas de prostituição em Bancoc, na Tailândia www.folha.com.br/0934420 Texto Anterior: +(c)ultura: Corbusier em aberto Próximo Texto: A ilha da fantasia Índice |
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