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Codinome Machado
Pesquisadora defende
que crônicas
de jornal
atribuídas
a Capistrano
de Abreu
são do autor
de "Dom Casmurro"
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Doutora em letras
pela Universidade
de São Paulo, a pesquisadora Heloisa
Helena Paiva de
Luca defende um achado sobre
Joaquim Maria Machado de
Assis (1839-1908): ele seria o
autor das crônicas escritas sob
o pseudônimo Mercutio, na
"Gazeta de Notícias", em 1883.
Mercutio assinou a primeira
e cinco outras crônicas da seção "Balas de Estalo", de textos
provocativos sobre o cotidiano.
Tradicionalmente, a autoria é
atribuída ao historiador Capistrano de Abreu (1853-1927).
Paiva de Luca diz que não incluiu os textos na edição que
organizou das "Balas de Estalo
de Machado de Assis" (ed. Annablume), em 2008, porque
"ainda precisava de dados" para defender essa hipótese.
Machado, afirma ela, escreveu como Mercutio e depois
como Lélio, cabendo a Capistrano o pseudônimo Blick.
FOLHA - Mercutio é um pseudônimo de Machado de Assis?
HELOISA HELENA PAIVA DE LUCA -
Desde o mestrado isso estava
dançando em minha cabeça.
Durante a pesquisa, ficou
muito evidente que Mercutio
era Machado. Como meu doutorado era ligado ao curso de
francês, para defender a tese,
haveria que defender alguma ligação entre França e Brasil.
Estudei Molière e deixei
[Mercutio] para depois do doutorado -quando aluguei o aparelho para ler microfilmes e
cheguei a essa conclusão.
FOLHA - Que argumentos fundamentam sua tese?
PAIVA DE LUCA - São de duas vertentes. Primeira, as crônicas
dos outros contribuidores das
"Balas de Estalo". Algumas frases trazem essa verdade à tona.
Um dos jornalistas, Dermeval da Fonseca, usava o pseudônimo Décio. Ele escreveu que
"este Mercutio e este Blick
eram aquele mesmo e único
professor de história".
Depois disso, ninguém foi
procurar ver se Mercutio e
Blick eram o mesmo autor.
Mas Valentim Magalhães, o
José do Egito, fala que, "quanto
ao Mercutio, (...) ficou tão envergonhado -coitadinho!-
que tratou logo de mudar de
nome".
Mercutio escreveu seis crônicas. Na última, critica o sobe
e desce dos ministérios. O imperador aceitaria o sobe e desce, e por isso o país não ia para a
frente.
A alfinetada no imperador foi
grande. Machado... não, Mercutio... também alfineta o positivismo, especialmente a prática de grupos fechados, a maçonaria. Não dá para dizer com
certeza quem foi o mais atingido e quem lhe deu uma podada,
mas ele ficou um mês sem escrever e voltou como Lélio.
Minha tendência é pensar
que foi o imperador.
FOLHA - Houve censura?
PAIVA DE LUCA - Sim.
Além disso, são completamente diferentes os modos de
escrita de Machado e Capistrano. Este é um historiador, não
um cronista ou ficcionista.
Em todas as seis crônicas de
Mercutio, a temática é muito ligada à temática de Machado.
FOLHA - E está sendo fácil convencer os colegas de sua descoberta?
PAIVA DE LUCA - Até agora só
conversei com meu orientador
[Gilberto Pinheiro Passos],
grande especialista no autor.
Ele concorda: não existe 100%
de certeza, mas ali há 99% de
Machado.
FOLHA - Os pseudônimos eram
meios de proteger a identidade dos
autores ou eram "heterônimos",
personagens?
PAIVA DE LUCA - O dono da "Gazeta de Notícias" [Ferreira de
Araújo] queria fazer uma matéria muito inovadora -e realmente isso não tinha ainda
acontecido no jornalismo brasileiro. No começo queria "balas de artilharia", com crônicas
mais agressivas.
Então o pseudônimo era um
escudo. Depois o tom muda, alguma coisa séria deve ter acontecido para os textos ficarem
menos picantes.
FOLHA - O nome "Balas de Estalo"
dá uma ideia de festim...
PAIVA DE LUCA - Realmente, as
crônicas deveriam ser de pouco
efeito. É como hoje, quando alguém alfineta o jeito de falar do
presidente, sem se atrever a falar mal dele.
FOLHA - Mercutio, em "Romeu e
Julieta", é um amigo falastrão, conselheiro a quem não dão ouvidos.
Que devemos tirar dessa alusão?
PAIVA DE LUCA - Machado gostava muito de Shakespeare. Antes de Mercutio, já tinha escolhido Malvolio, ironia com o
Benvolio do Shakespeare.
Ele sai da tragédia inglesa para a comédia de Molière, pois
Lélio é personagem da peça
"L'Étourdi" [O Aturdido], também um tipo alegre, amigo, generoso -há um grande ponto
em comum entre os dois, personagens de mesma estrutura
de composição, de alma. Nada a
ver com Blick, que em alemão
significa "olhar", "mirada".
FOLHA - A sra. estudou a influência
francesa em Machado, especialmente Molière. Como o humor explícito desse autor se transforma na
ironia machadiana?
PAIVA DE LUCA - Machado é um
disfarçador. Quando queria fazer o leitor rir, trazia de Molière uma frase, uma expressão, às
vezes um versinho.
FOLHA - O humor da crônica é diferente da dos romance ou contos?
PAIVA DE LUCA - Não sou especialista no romance de Machado,
mas diria que não há muita diferença.
FOLHA - Quanto Machado muda
de estilo entre a "Gazeta de Notícias" e "A Semana" , por exemplo?
PAIVA DE LUCA - Quando começou a escrever "Balas de Estalo", ele já tinha mais de 20 anos
de jornalismo. Antes, parece
que tinha sido uma procura,
suas crônicas eram mais simples, com tracinhos gráficos separando um tema do outro.
Ainda não era o Machado por
inteiro.
"Balas de Estalo" foram a
transição de uma fase experimental para uma fase madura.
"A Semana" é o "filé mignon".
FOLHA - O que o leitor comum pode aprender com essas crônicas?
PAIVA DE LUCA - A escrita em alto
estilo. A crônica tem de ter
aquele elo de pensamento, um
parágrafo conectado ao outro
por algum ponto.
FOLHA - São possíveis textos como
esses nos jornais de hoje?
PAIVA DE LUCA - Sim, vocês têm
um exemplo na Folha: Carlos
Heitor Cony pega fatos e desenvolve de maneira muito bonita, gostosa de ler.
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