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Festa MELANCÓLICA
EM ARTIGOS ESCRITOS SOZINHO
OU EM PARCERIA E PUBLICADOS EM MAIO
DE 1890 EM RAZÃO DO ANIVERSÁRIO
DE DOIS ANOS DA ABOLIÇÃO,
O FUTURO AUTOR DE "OS SERTÕES"
PÕE EM XEQUE O MODO COMO
SE DEU A LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS
FRANCISCO FOOT HARDMAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
À véspera do 13 de maio de
1890, o segundo-tenente Euclides da Cunha e alguns colegas de caserna na Escola
Militar, membros do recém-criado
"batalhão acadêmico", agrupamento de mobilização pelos ideais jacobinistas republicanos, resolvem
confrontar as comemorações festivas e populares que a Confederação
Abolicionista do Rio de Janeiro organizava e sugerem uma espécie de
contramanifestação, mais solene e
menos concorrida, próxima ao que
o positivismo entendia dever serem
rituais de construção das festas nacionais.
Nada de clubes carnavalescos,
agremiações recreativas ou de corrida de cavalos. Apenas discursos à
memória de abolicionistas históricos, em perspectiva inspirada no dirigismo utópico de Louis Blanc, que
ressalta "a ação maravilhosa dos
mortos ilustres sobre o destino humano".
Dispersão do acervo
A ótima notícia da descoberta de
três artigos inéditos em livro de Euclides da Cunha (um deles "Amanhã", de autoria exclusiva, e dois outros em co-autoria com dois companheiros de farda), graças ao empenho do incansável Joel Bicalho Tostes e de sua pronta divulgação, no
jornal "Democrata", de São José do
Rio Pardo (SP) [em 7/5/2005], em
matérias da pesquisadora Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda e do
cronista Paulo Herculano, se é motivo de júbilo, não causa verdadeira
surpresa.
A edição da "Obra Completa", em
dois volumes, da Aguilar, de 1966,
reimpressa em 1995 sem nenhuma
revisão, até hoje fonte recorrente,
longe está de merecer esse título. No
tocante à crônica jornalística, parte
essencial da obra euclidiana, os cerca de 50 textos coligidos, cobrindo o
período-chave da passagem da monarquia à república, constituem reunião incompleta. Os três inéditos
aqui revelados são prova disso.
Lamentavelmente, o estado precário e dispersão de vários acervos,
além do extravio inexplicável de textos importantes citados por estudiosos do euclidianismo, nos anos 1930-60 -entre eles, os "arqueólogos"
pioneiros Francisco Venâncio Filho
e Olímpio de Sousa Andrade, decisivos quanto à relevância que conferiram a todo o universo textual do autor aquém e além de "Os Sertões"-
tornam a tarefa de recuperação algo
amaldiçoada (como sempre fazia
questão de recordar, ironicamente,
Roberto Ventura).
Desilusão
Os dois manifestos feitos a seis
mãos têm interesse para o estudo
das diversas e conflitantes concepções de "festa nacional" que disputavam posição ao raiar da República.
Embora assinalando sua não-filiação ao Apostolado Positivista, é claro que os militares do "batalhão acadêmico" estavam impregnados da
visão redentora de uma elite dirigente "forjadora" do proletariado nacional a partir dos ex-escravos
emancipados.
Mas, atenção: esse futuro da pátria
deveria advir de uma mobilização
"pelo alto", imune dos vícios que a
sociedade e a turbamulta irremediavelmente contêm. Já o texto solitário
de Euclides, inconfundível em seu
estilo, assinala algo de sua crescente
e melancólica desilusão com os rumos do novo regime. Mesmo tendo
marchado, no ano seguinte, com o
contragolpe de Floriano, sua distância ideológica e afastamento político
da república fardada já emitiam,
aqui, sinais mais ou menos claros.
"Amanhã" retoma basicamente a
mesma argumentação e estilo de outro artigo abolicionista do jovem cadete Euclides, "Heróis de Ontem",
escrito exatamente a 13 de Maio de
1888, em que o movimento de massa
presente é substituído pela galeria de
vultos símbolos, românticos, de José
Bonifácio à princesa Isabel, de Gonçalves Dias e Varela a Castro Alves e
Luís Gama.
Francisco Foot Hardman é professor de
teoria e história literária na Universidade Estadual de Campinas. Prepara, em colaboração com Leopoldo Bernucci, a edição da "Poesia Reunida" de Euclides da Cunha.
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