São Paulo, domingo, 15 de maio de 2005

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Resposta à Confederação Abolicionista

Por que a confederação despreza a raça por tanto tempo espoliada?

Sentimos ter ainda de voltar ao assunto visto o tempo de que dispúnhamos não nos permitir fazer algumas considerações que se nos afiguram indispensáveis.
Disse a Confederação que tinha convidado todos os elementos que reprovamos para dar-lhes o agradecimento pelo concurso que prestaram à libertação dos escravos.
Em primeiro lugar essas associações ou indivíduos só concorreram para a libertação dos escravos depois que a idéia abolicionista tinha lavrado em todo o país e dominava em todas as consciências; e portanto não poderiam, quem quer que fossem, afastar-se ou colocar-se fora da ação do meio em que viviam e haviam forçosamente de concorrer para esse fim, como muitas vezes concorreram, bem a pesar seu, os escravocratas.

Migalhas das orgias
Em segundo lugar, esse concurso foi devido, como já o fizemos ver, ou aos impulsos naturais ao coração humano, de alguns indivíduos, ou da parte das sociedades a sobra das migalhas de suas orgias e ganhos. E esse mesmo concurso resultou não só da imposição dos sócios e dos sentimentos generosos dos indivíduos como também e principalmente da vaidade filantrópica, a modo porque foi abolicionista o Sr. D. Pedro 2º.
Em terceiro lugar porque essas sociedades concorreram, não deixam por isso de ser profundamente imorais, os seus fins continuam os mesmos, e quando o concurso deles viesse a auxiliar a questão, isto não implicaria hoje o seu comparecimento, porque nessa ocasião tratava-se de obter por todos os meios a libertação de nossos semelhantes e hoje tratamos de fazer-se-lhes a glorificação, e glorificação que possa educar a sociedade. Portanto aí só podem entrar elementos sérios e que devem ter uma existência normal em uma sociedade moralizada.
Além disso. se a Confederação quer fazer agradecimentos, que o faça àqueles que já não têm mais interesse nesse agradecimento, visto materialmente não existirem mais.
Rememore os José Bonifácio, Eusébio Ferreira França, Visconde do Rio Branco, Ferreira de Menezes, Luiz Gama e todos os grandes trabalhadores da santa causa, que caíram na luta e que não puderam presenciar o espetáculo da terminação de sua obra.
Por que a Confederação Abolicionista despreza a raça por tanto tempo espoliada e não lhe faz a glorificação, não só representando nesse dia as mais elevadas qualidades que fazem o seu apanágio, glorificando-os nos grandes vultos ou tipos a ela pertencentes e cujo modelo é o grande Toussaint-Louverture?
Por que a Confederação Abolicionista gastou dois contos e tanto de réis para comprar uma estátua de bronze e fazer presente ao marechal chefe do governo provisório e não empregou esse dinheiro em auxiliar a fundação de uma escola para libertos com o nome do ínclito marechal?

Concorrência desastrosa
Este fato, garantimos, agradaria mais ao ilustre marechal e exprimiria os sentimentos abolicionistas da Confederação, por fazer crer que ela estaria cuidando em preparar o proletariado preto e nacional para resistir vantajosamente a concorrência que em breve lhe farão os operários estrangeiros, concorrência essa desastrosa pela superioridade de educação profissional e de hábitos dos operários estrangeiros, e que será a aniquilação dessa generosa raça por tanto tempo tão dura e nefandamente explorada.
A Confederação, por que não faz nesta festa um público e solene agradecimento à Sra. D. Isabel, merecedora de que essa associação lhe fosse mais grata do que agora se mostra?
Não! isso não se faz simplesmente porque a Confederação entende que fazer uma comemoração é fazer uma festa pela festa, e não é educar; e, ainda mais, que se pode desvirtuar pelo fato de se fazer festa, os termos da língua não só etimológica como sintaticamente.
Eis as razões poderosas porque não damos o nosso concurso a essa desvirtuação de uma grande data.

Rio, 12 de Maio de 1890
Saturnino Nicoláo Cardoso
N. no Rio Grande do Sul em 1858
Rua do Lavradio 139

Thomaz Cavalcanti de Albuquerque
N. no Ceará em 1855
Rua da Floresta n. 21

Euclides da Cunha
N. no Rio de Janeiro em 1867
Campo de S. Cristovão 18


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