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+sociedade
Um estilo caubói de feminismo
Em novo livro, a francesa Virginie Despentes propõe a redução do estuprador ao estado de cliente de prostitutas
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MARCELA IACUB
Ao contrário do que é
anunciado na quarta capa do livro,
"King Kong Théorie" [A Teoria King
Kong, ed. Grasset, 160 págs.,
13,90, R$ 37,50], de Virginie
Despentes, não é, infelizmente,
o manifesto de um novo feminismo. Despentes faz uma espécie de apologia da legalização
da prostituição e da liberalização da pornografia, o que não é
algo que seduza o feminismo
que orienta, como doutrina oficial, as políticas públicas atuais.
Guerra aberta
Mas, além de essas posições
já terem sido defendidas em diversas ocasiões, o foram de
uma maneira bem mais convincente e argumentada. Sua
originalidade consiste em sustentá-las não a partir dos princípios de defesa das liberdades,
da neutralidade ética ou do
pluralismo do Estado, mas a
partir do pressuposto da guerra
dos sexos como horizonte último de toda reflexão.
Não se acredite que a palavra
"guerra" -dos sexos- seja
uma metáfora. Muito pelo contrário, deve ser entendida em
seu sentido mais literal.
Pois, a exemplo de muitas feministas americanas, Despentes diz sem firulas que no início, na estrutura das relações
entre os sexos "há a Violação".
Não esses atos vulgares cometidos por alguns depravados,
mas uma espécie de ato constituinte da mulher como tal que
certos machos realizam em nome de todos sobre um contingente de vítimas sacrificais.
É por meio desse crime metafísico, originário, instituidor,
que uma criatura humana se
torna mulher. Com efeito, temendo por sua vida, ela viveu
no segredo de seu ser essa humilhação de ter preferido continuar sendo violada, em vez de
morrer.
Vingança metafísica
Os fatos de mais da metade
das condenações por crimes na
França estar ligada a agressões
sexuais e de o estupro ser punido com o mesmo peso do assassinato não têm a menor pertinência para ela nem nenhuma
função reparadora.
Para ela, o trauma, a humilhação metafísica da mulher
violada, só pode ser solucionado por um ato de vingança de
uma brutalidade superior: a
castração e a morte.
Mas, se se pode cair nos excessos criminosos das heroínas
trágicas do filme "Baise-Moi"
[Foda-Me], que ela realizou
com Coralie Trinh Thi, Despentes traz na bolsa outras sugestões para executar sua vingança metafísica. A principal é
a redução do estuprador ao estado de cliente de prostitutas.
Experiente nessa solução por
seu próprio percurso de prostituta ocasional, ela escreve: "A
prostituição foi uma etapa crucial, no meu caso, de reconstrução depois da violação. Um empreendimento de indenização,
nota após nota, do que me foi tirado pela brutalidade".
O cliente de prostituta aparece, assim, como o macho fracassado, castrado e ferido.
Sim, talvez se fique horrorizado com essas propostas.
Mas Despentes não exprime,
no fundo, em seu estilo "caubói", hipóteses sobre as relações entre os sexos que assombram as problematizações
atuais? Ela não nos diz, exagerando, o que acreditamos ser a
explicação central da dominação das mulheres, isto é, que a
sexualidade é o local de sua sujeição pelos machos? Não é essa idéia que animou, desde
meados dos anos 1970 até hoje,
as lutas feministas contra as
agressões sexuais?
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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