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+(r)éplica
O espanto de Bense
A arquiteta Ana Luiza Nobre defende reflexão sobre o Brasil feita pelo filósofo alemão no livro "Inteligência Brasileira"
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ANA LUIZA NOBRE
ESPECIAL PARA A FOLHA
A resenha, por Sergio
Miceli, do livro "Inteligência Brasileira - uma Reflexão
Cartesiana" (ed.
Cosac Naify), de Max Bense
(Mais!, 26/7), mostrou-se tão
surpreendente quanto o título
do livro resenhado. E isso porque seu fundamento se resumiu a uma única acusação:
Bense "desconhece por completo a história política, econômica e social do país". O que levou à desqualificação imediata
do livro como um "mantra etnocêntrico sobre obras e artistas de seu [Bense] agrado".
Miceli tem razão ao ressaltar
a escassez de perspectiva política na leitura do filósofo alemão. O livro resulta, afinal, de
quatro viagens feitas ao Brasil
entre 1961 e 1964, e a recusa de
Bense em considerar o acirramento das tensões políticas e
sociais no país favorece a denúncia da "estetização escancarada das artes", frequentemente entendida como simples decorrência da "ojeriza ao
mundo social e à política", como quer o resenhista.
O fato de Bense não ter se detido sobre tais tensões, nem
mostrado "compaixão" pelos
"contrastes entre destituídos e
abastados", como assinala Miceli, não significa, todavia, um
mero alheamento em relação
ao ambiente cultural brasileiro. Na verdade, uma leitura tão
enviesada de texto tão denso
corre o risco de revelar muito
mais a "falta de frescor" dos
juízos do leitor do que do autor.
Como justificar, por exemplo, que o interesse de Bense
pela produção de Lygia Clark
ou [Alfredo] Volpi, em detrimento de obras então bem
mais valorizadas, como as de
Aleijadinho ou [Candido] Portinari, seja tomado como puro
capricho pessoal? E o que dizer
da menção a Clarice Lispector,
pelo resenhista, como mera
"esposa de diplomata"?
Inteligência a-histórica
Provavelmente não faltarão
leituras prontas a cobrar de
Bense a opção por concentrar-se numa produção irredutível a
qualquer conteúdo ideológico.
Outros, no entanto, preferirão
interrogar a relação de Bense
com a emergência de uma
consciência inteligente dos
processos de produção artística
no Brasil (de acordo com a formulação básica das vanguardas
construtivas).
E nesse caso poderão explorar mais a fundo a interlocução
que o filósofo e matemático alemão, conhecido por sua oposição a qualquer tendência irracionalista, encontrou em um
contexto tão afeito a particularidades e que aos seus olhos se
define, paradoxalmente, pelo
atributo universal da inteligência (conforme já foi notado por
Luiz Camillo Osório).
Uma leitura dessa ordem exige, no entanto, a superação de
pressupostos teóricos calcificados em favor de um contato
mais estreito com o livro em
questão (que Miceli insiste em
chamar de "livreto", aliás, como
se sua dimensão dependesse de
suas características físicas).
O certo é que em "Inteligência Brasileira" não encontraremos uma exposição das formulações estéticas do filósofo ulmiano [referência à Escola Superior da Forma, em Ulm, na
Alemanha], conforme condensadas em sua "Pequena Estética" (ed. Perspectiva, 1971).
Teremos mesmo dificuldade,
em alguns momentos, de enquadrar o inusitado pensamento estético de Bense (baseado
na mensuração de "estados estéticos") no conjunto de experiências difusas que se somam
neste relato de seu primeiro
contato com os trópicos e com
a América.
Quanto mais entrarmos no
livro, mais experimentaremos,
isto sim, o espanto de Bense,
seja diante da "opressão da natureza" (dos cupins às tempestades), seja diante da capital recém-inaugurada [Brasília], que
ele reconhece como expressão
do "design total" (por analogia
com a noção wagneriana de
"obra de arte total"). Pois é este
um dos pontos fundamentais
do livro, e mais do que suficiente para recomendar a sua leitura hoje: a reflexão sobre o sentido que o design assume no Brasil dos anos 1960, diante da
"permanente atualidade" de
uma inteligência que se constitui, no dizer de Bense, de maneira a-histórica.
Tudo isso acabou escapando,
porém, a Miceli, que ao se ater a
"indagar a razão de publicar o
livreto recém-lançado" hoje,
"em momento de baixa do concretismo literário", também se
nega a fazer avançar a reflexão
sobre um dos momentos mais
produtivos da arte no Brasil.
ANA LUIZA NOBRE é professora na faculdade
de arquitetura e urbanismo da PUC-RJ e assina o
posfácio do livro "Inteligência Brasileira", de
Max Bense (ed. Cosac Naify).
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