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Greve redentora
Marco da dramaturgia e da arte engajada no Brasil, "Eles Não Usam Black-Tie" completa 50 anos na próxima sexta-feira
FERNANDO MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Se as efemérides servem para avaliar a
atualidade de um autor ou de uma obra,
pode-se apostar com
boas chances de acerto na permanência da peça "Eles Não
Usam Black-Tie", de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006).
O texto estreou há 50 anos,
encenado pelo Teatro de Arena
de São Paulo, sob a direção de
José Renato -aniversário que
se completa no dia 22. Surgiu
em momento de crise financeira, quando a companhia, segundo versão até hoje aceita,
achava-se na iminência de fechar as portas.
"Black-Tie" apresenta operários, moradores de favela carioca, envolvidos na organização
de uma greve por melhores salários. O tema da greve soma-se
ao conflito entre Otávio e Tião,
pai e filho, que encarnam respectivamente a atitude atenta
aos interesses coletivos e a postura individualista.
Enquanto o velho Otávio se
arrisca a ser preso por participar de reuniões e piquetes,
Tião, prestes a se casar com
Maria, fura a greve temendo
perder o emprego.
A peça chamou-se inicialmente "O Cruzeiro Lá do Alto",
título que Guarnieri mudou, a
pedido de Renato, para "Eles
Não Usam Black-Tie".
O novo título fustigava as
montagens do Teatro Brasileiro de Comédia, com seu público usuário de smokings e longos. O TBC, de todo modo, conforme o próprio Guarnieri reconheceria mais tarde, daria à
sua geração modelos definidos
a serem imitados ou rejeitados.
José Renato desfaz, no entanto, a lenda de que o Teatro
de Arena estivesse à beira de
encerrar os trabalhos: "É verdade que nessa época o Arena
vivia uma crise financeira grave", diz. "Mas, pelo esforço que
todos fazíamos, fechar o teatro
era coisa que nenhum de nós
aceitaria sem uma revolta muito grande."
Temas nacionais
Pelo contrário, já se pensava
em outra peça, a ser montada
em seguida à de Guarnieri:
"Chapetuba F.C.", de Vianinha.
Não se contava, porém, com
o sucesso de "Black-Tie", que
permaneceria um ano em cartaz: "A reação do público nos
fez refletir com mais profundidade, e a peça do Guarnieri,
sem dúvida, cristalizou a idéia
da temática nacional, fundamental para o prosseguimento
dos trabalhos do grupo", afirma
o diretor.
O texto inovou também pelos
diálogos coloquialíssimos: "Tu
gosta de eu?", pergunta Maria
ao namorado, antes de revelar
que está grávida.
A encenação tinha, de saída,
apenas os recursos escassos do
pequeno palco circular. Optando pela simplicidade, como
apontou o crítico Sábato Magaldi, o espetáculo venceu os limites da sala exígua.
José Renato recorda: "Um
terço do espaço era cercado por
uma rudimentar sugestão das
paredes -uma cerca de tábuas
que constituíam o interior do
barraco" onde Otávio e Romana moram com os filhos. Eugênio Kusnet, Lélia Abramo, Miriam Mehler e o próprio Guarnieri, entre outros, participaram da estréia: "O aprofundamento da interpretação deu ao
espetáculo uma dimensão de
acontecimento inesquecível",
avalia Renato.
"Black-Tie" impulsionou o
aparecimento de uma série de
textos e espetáculos socialmente empenhados e se mantém atual meio século depois. O
morro carioca e a periferia paulistana, para onde se transplantou a ação quando a peça virou
filme, em 1981, ainda podem
ser o lugar de sentimentos
amistosos: "Não creio que a solidariedade, exaltada pela peça,
tenha sido soterrada pela violência", opina Sábato Magaldi.
"Os valores apontados permanecem vivos. Todos os problemas de injustiças e desigualdades persistem. Pequenas
atualizações de linguagem talvez pudessem ser feitas; mas a
essência é a mesma", afirma
Renato. Resta saber se o teatro
tem, hoje, o mesmo apetite de
justiça que o movia há 50 anos.
FERNANDO MARQUES é doutor em literatura
brasileira pela Universidade de Brasília (DF) e
autor de "Zé" (ed. Perspectiva).
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