São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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Vida sem clichês

HORÁRIOS SÃO RÍGIDOS, E INTERNOS SÃO OBRIGADOS A LIMPAR DIARIAMENTE AS PRÓPRIAS CELAS

DO ENVIADO A DUEÑAS

Não há sinal de carcereiros mal-encarados carregando pesados molhos de chave em corredores escuros e fétidos. Tampouco se percebe qualquer tensão no ar, prestes a explodir em brigas de gangues movidas a estiletes improvisados.
Em La Moraleja, os clichês do cinema e da vida real que costumam ser associados às prisões estão praticamente ausentes, embora ninguém jamais se esqueça de onde está. "Aqui tem cinema, ginásio esportivo, piscina, aula de idiomas, biblioteca -as condições são excelentes para uma prisão. Só não tem liberdade", diz o paranaense Paulo Teixeira, que conserta raquetes de tênis e bolas de futebol rasgadas numa das várias oficinas do presídio.
Ao contrário da maioria, ele não descarrega sua frustração no país que o mantém preso. "Não tenho raiva dos espanhóis. Eles estão certos."
O diretor, Jesús Hernando de la Rosa, descreve a rotina de La Moraleja: "Às 8h30 eles são despertados, têm meia hora para arrumar a cela, tomar banho e descer para o café da manhã".
"É quando acontece a primeira contagem. Depois do café, cada um vai para a sua atividade. Os 350 que trabalham vão para as oficinas. Os demais fazem o que quiserem: aulas de idiomas, esportes ou ficar no pátio tomando sol, sem fazer nada", explica.
"Às 13h voltam para seus módulos para comer. Almoçam e às 14h sobem para as celas, onde ficam até as 16h30. É quando ocorre a segunda contagem e a troca da equipe. A rotina da manhã se repete, cada um com sua atividade. Às 19h voltam a seus módulos e jantam. Acontece a última contagem e, às 20h, sobem para as suas celas, onde ficam até o dia seguinte."
As celas, de cerca de 5 metros quadrados, são habitadas por dois detentos cada, que dormem em beliches. Todas têm ducha, uma pia e TV e poderiam ser confundidas com os quartos de um desses hotéis de negócios de baixo custo. Pelas regras do presídio, elas têm que estar sempre limpas e arrumadas.
O que diferencia uma da outra é o quadro de fotos, que cada detento usa como quer. Uns colam fotos da família, outros fotos pornográficas e retratos de ídolos da música e do futebol. O Barcelona, de Ronaldinho Gaúcho, é um dos favoritos.
Apenas 51 mulheres habitam La Moraleja, o que as torna objetos de extrema cobiça. Quase todas mantêm namoros dentro do presídio, onde uma unidade à parte é usada para o que eles chamam de "vis-a-vis", as visitas íntimas. As três brasileiras presas em La Moraleja são comprometidas com detentos.
"O namoro aqui tem regras", conta a paulista Iamara, que engravidou do namorado guatemalteco dentro do presídio, depois de ser deixada pelo marido, com quem vivia em Catanduva.
"Primeiro trocamos cartas por três meses. Depois vêm os encontros no locutório, onde ficamos separados por um vidro. Só com mais três meses de namoro é que podemos pedir o "vis-a-vis". São seis visitas íntimas por mês." Se não conseguir a liberdade que almeja em agosto, quando terá cumprido 3/4 da pena, Iramaia poderá cuidar do filho na unidade especial para mães no presídio.
Atualmente há 11 crianças na unidade. Até pouco tempo atrás, uma delas era a menina Gabriela, filha da brasileira Juvinette Ribeiro. Ao completar três anos foi entregue a uma família adotiva de Dueñas, que cuidará da menina até Juvinette sair da prisão, onde cumpre pena de dez anos por tráfico.
Para os homens, que são a ampla maioria, a vida é mais solitária. Ao contrário das prisões nacionais, em La Moraleja o dia de visitas é o mais doloroso. "É muito duro ver casais e famílias no locutório, sem ter com quem conversar", diz Paulo, que divide a cela com o paulista Giovani. "Aqui dentro só temos a nós mesmos." (MARCELO NINIO)


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