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"O ideal era engolir com mel a cocaína"
PRESOS CONTAM COMO É FEITO O AGENCIAMENTO DAS "MULAS", PESSOAS QUE ACEITAM TRANSPORTAR DROGAS PARA A EUROPA
DO ENVIADO A DUEÑAS
Alguns números
nunca saem da cabeça dos brasileiros
na penitenciária de
La Moraleja: a data
em que foram presos, o volume
de cocaína que carregavam e o
índice de pureza da droga. Seus
relatos se embaralham entre
lembranças distantes de parentes e amigos que os abandonaram e o inesquecível momento do flagrante no aeroporto de Barajas.
"Passei pelo controle de passaportes e um policial veio
atrás de mim, me pedindo para
ir até uma sala", conta o paulista Giovani de Souza Careta.
"Quando ele me levou para o
raio-X, percebi que estava tudo
acabado. Sei que você está com
bolas [de cocaína], me disse o
policial."
O começo da história foi tão
típico quanto seu desfecho.
Motoboy em Franca (SP), insatisfeito com as longas e exaustivas horas de trabalho e o salário que não chegava a R$ 1.000,
Giovani caiu na tentação ao ouvir de um amigo sobre a possibilidade de ganhar 5.000 em
poucos dias.
No centro de São Paulo, recebeu as instruções de um nigeriano: deveria viajar a Lima e
esperar o contato num pequeno hotel.
Ficou dez dias na capital peruana, arranjou duas namoradas e já estava quase desistindo
da missão, quando a carga chegou: 139 pequenas bolas de cocaína envolvidas em látex, como o de preservativos. "Me disseram que o ideal era engolir
com mel, mas eu estava enjoado depois de passar dez dias comendo só pão com mortadela.
A comida peruana é nojenta",
diz. "Preferi engolir com Gatorade e acabou sendo mais fácil
do que eu pensava. O problema
foi depois, para sair." O exame
policial indicou um volume de
773 gramas, com um índice de
pureza de 69%.
"O índice de pureza é o que
determina a pena, não a quantidade de droga", ensina o paranaense Paulo Teixeira, 31, que
no mês que vem completa metade dos seis anos a que foi condenado após desembarcar em
Madri com cocaína escondida
na estrutura de uma mala .
"No meu caso, a primeira pesagem deu 1,9 quilo, o que significaria pelo menos dez anos
de cadeia. A pena só foi menor
porque no fim o índice de pureza ficou em 689 gramas."
Histórias como a de Paulo e
Giovani se repetem atrás dos
muros de La Moraleja, onde 90% dos detentos cumprem
pena por terem servido de mulas. A origem geralmente é uma
indicação da droga envolvida.
Latino-americanos levam cocaína, marroquinos e argelinos
transportam haxixe.
Em comum, a tentação de ganhar um dinheiro fácil. "É sempre a mesma história, alguém
fala de um conhecido que tentou e se deu bem", diz Paulo,
que estava no segundo ano de
administração de empresas em
Maringá (PR) quando decidiu
tentar a sorte. Ao contrário da
maioria, não foi abandonado
pela noiva. "Continuamos a nos
falar toda semana."
Giovani sorri quando é questionado sobre as namoradas
que conquistou na fugaz passagem por Lima. "Uma delas me
escreve até hoje: Teolinda Tapulina Tuanama", enuncia, orgulhoso. "Essa se apaixonou."
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