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Jogados às traças
Por falta de interesse e dinheiro, Brasil sofre para manter acervos de seus principais escritores
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
Enquanto no exterior o
acervo pessoal de escritores é disputado
em lances milionários, no Brasil a questão nem é ser disputado por
instituições, mas conseguir
abrigo seguro em alguma delas.
A falta de verbas, a descontinuidade administrativa e a falta de interesse em uma visão de
divulgação sistemática para o
público dão o tom quando se
fala em coleções particulares
de escritores brasileiros.
Em geral, os arquivos nacionais são doados pelas famílias
após a morte do escritor, poucas instituições têm estrutura
para acolhê-los e muitas vezes
há um trâmite complicado de
obtenção de patrocínio para a
catalogação e a preservação.
Uma exceção é o Instituto
Moreira Salles (IMS), que tem
se destacado numa ação ativa
de incorporar acervo de escritores, inclusive em vida.
É o caso recente de Lygia Fagundes Telles e de Lêdo Ivo,
por exemplo.
O instituto já guarda manuscritos, recortes de jornais, correspondências, livros, estudos,
periódicos e fotografias também de nomes como Otto Lara
Resende, Rachel de Queiroz,
Ana Cristina Cesar e Dora Ferreira da Silva, entre outros.
Entre as instituições públicas, a principal neste trabalho é
a Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, que já
tem 121 nomes em seu arquivo
de escritores brasileiros, em
sua sede no bairro carioca de
Botafogo.
A mais antiga fundação nesse trabalho é a Biblioteca Nacional, que tem em sua divisão
de manuscritos o acervo de 22
nomes, alguns capitais para
nossa literatura, como Machado de Assis, Euclydes da Cunha, Manuel Bandeira, Gonçalves Dias e Lima Barreto.
Em São Paulo, o Instituto de
Estudos Brasileiros da USP
(IEB) guarda as coleções de 50
personalidades, a maior parte
de autores, incluindo Graciliano Ramos e Aparício Torelly (o
Barão de Itararé).
A própria instituição originou-se da brasiliana do historiador paulista Yan de Almeida
Prado, comprada em 1962. E
também é uma das poucas a
adquirir coleções. Foi assim
que a instituição obteve os
acervos pessoais de Mário de
Andrade (em 68), de Guimarães Rosa (em 73) e do historiador Caio Prado Jr. (em 2001).
A compra no Brasil ainda é
um tabu. O Instituto Moreira
Salles, que já tem um dos acervos mais importantes em fotografia e música no Brasil, é um
dos poucos a comprar acervos.
Antonio Fernando de Franceschi, superintendente executivo do instituto, não revela valores, mas confirma que os
acervos de Lygia Fagundes Telles, do ensaísta e crítico literário João Alexandre Barbosa e
de Maurício Rosenblatt, editor
que trabalhou na mítica editora Globo de Porto Alegre, tiveram contrapartida em dinheiro.
"Só na vontade"
Ele cita o caso do crítico e
pesquisador de música José
Ramos Tinhorão, cuja coleção
de música foi adquirida pelo
instituto depois de um longo
período em que o próprio IMS
tentou levantar patrocínio para
que fosse abrigada no Instituto
de Estudos Brasileiros.
No caso da biblioteca do poeta Haroldo de Campos, Franceschi disse que houve interesse, mas elogia o "final feliz", que
foi sua integração à Casa das
Rosas, onde está hoje. Mas,
também no caso do IMS, a
maior parte vem de doações,
como foi o caso recente dos documentos e cartas do ator Paulo Autran.
Vera Faillace, da divisão de
manuscritos da Biblioteca Nacional, diz que a instituição bicentenária já participou de leilões no passado, mas que não
há uma procura desses acervos
porque não há espaço físico.
Ela diz que "muita gente gostaria de doar, mas fica só na
vontade". Um caso recente e
bem-sucedido foi o do arquivo
da antiga editora José Olympio,
que foi doado pelo filho de José
Olympio -um dos grandes nomes da história editorial brasileira-, Geraldo Jordão Pereira,
e agora será catalogado com patrocínio da Petrobras.
Novo prédio
Eliane Vasconcellos, responsável pelo acervo de escritores
da Casa de Rui Barbosa, diz que
a única opção para abrigar coleções particulares é receber
doações. Ela diz que apenas
pesquisadores têm acesso aos
originais e reconhece que deve
haver inéditos e preciosidades
ainda desconhecidas entre as
coleções.
O IEB deve ganhar um novo
prédio em 2010, que está sendo
construído para abrigar a coleção doada pelo bibliófilo José
Mindlin. Mas não se trata de incorporação pelo IEB, já que a
administração da brasiliana de
Mindlin, umas das principais
coleções privadas brasileiras,
reunida ao longo de décadas,
permanecerá independente.
O IEB, que foi fundado pelo
historiador Sérgio Buarque de
Holanda em 1962, perdeu o
acervo pessoal do seu próprio
fundador para a Unicamp em
uma disputa que durou meses e
terminou em 1983. Atualmente, os livros e documentos do
autor do clássico "Raízes do
Brasil" estão abrigados em
Campinas (SP).
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