São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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Jogados às traças

Por falta de interesse e dinheiro, Brasil sofre para manter acervos de seus principais escritores

MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO

Enquanto no exterior o acervo pessoal de escritores é disputado em lances milionários, no Brasil a questão nem é ser disputado por instituições, mas conseguir abrigo seguro em alguma delas.
A falta de verbas, a descontinuidade administrativa e a falta de interesse em uma visão de divulgação sistemática para o público dão o tom quando se fala em coleções particulares de escritores brasileiros.
Em geral, os arquivos nacionais são doados pelas famílias após a morte do escritor, poucas instituições têm estrutura para acolhê-los e muitas vezes há um trâmite complicado de obtenção de patrocínio para a catalogação e a preservação.
Uma exceção é o Instituto Moreira Salles (IMS), que tem se destacado numa ação ativa de incorporar acervo de escritores, inclusive em vida.
É o caso recente de Lygia Fagundes Telles e de Lêdo Ivo, por exemplo.
O instituto já guarda manuscritos, recortes de jornais, correspondências, livros, estudos, periódicos e fotografias também de nomes como Otto Lara Resende, Rachel de Queiroz, Ana Cristina Cesar e Dora Ferreira da Silva, entre outros.
Entre as instituições públicas, a principal neste trabalho é a Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, que já tem 121 nomes em seu arquivo de escritores brasileiros, em sua sede no bairro carioca de Botafogo.
A mais antiga fundação nesse trabalho é a Biblioteca Nacional, que tem em sua divisão de manuscritos o acervo de 22 nomes, alguns capitais para nossa literatura, como Machado de Assis, Euclydes da Cunha, Manuel Bandeira, Gonçalves Dias e Lima Barreto.
Em São Paulo, o Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB) guarda as coleções de 50 personalidades, a maior parte de autores, incluindo Graciliano Ramos e Aparício Torelly (o Barão de Itararé).
A própria instituição originou-se da brasiliana do historiador paulista Yan de Almeida Prado, comprada em 1962. E também é uma das poucas a adquirir coleções. Foi assim que a instituição obteve os acervos pessoais de Mário de Andrade (em 68), de Guimarães Rosa (em 73) e do historiador Caio Prado Jr. (em 2001).
A compra no Brasil ainda é um tabu. O Instituto Moreira Salles, que já tem um dos acervos mais importantes em fotografia e música no Brasil, é um dos poucos a comprar acervos.
Antonio Fernando de Franceschi, superintendente executivo do instituto, não revela valores, mas confirma que os acervos de Lygia Fagundes Telles, do ensaísta e crítico literário João Alexandre Barbosa e de Maurício Rosenblatt, editor que trabalhou na mítica editora Globo de Porto Alegre, tiveram contrapartida em dinheiro.

"Só na vontade"
Ele cita o caso do crítico e pesquisador de música José Ramos Tinhorão, cuja coleção de música foi adquirida pelo instituto depois de um longo período em que o próprio IMS tentou levantar patrocínio para que fosse abrigada no Instituto de Estudos Brasileiros.
No caso da biblioteca do poeta Haroldo de Campos, Franceschi disse que houve interesse, mas elogia o "final feliz", que foi sua integração à Casa das Rosas, onde está hoje. Mas, também no caso do IMS, a maior parte vem de doações, como foi o caso recente dos documentos e cartas do ator Paulo Autran.
Vera Faillace, da divisão de manuscritos da Biblioteca Nacional, diz que a instituição bicentenária já participou de leilões no passado, mas que não há uma procura desses acervos porque não há espaço físico.
Ela diz que "muita gente gostaria de doar, mas fica só na vontade". Um caso recente e bem-sucedido foi o do arquivo da antiga editora José Olympio, que foi doado pelo filho de José Olympio -um dos grandes nomes da história editorial brasileira-, Geraldo Jordão Pereira, e agora será catalogado com patrocínio da Petrobras.

Novo prédio
Eliane Vasconcellos, responsável pelo acervo de escritores da Casa de Rui Barbosa, diz que a única opção para abrigar coleções particulares é receber doações. Ela diz que apenas pesquisadores têm acesso aos originais e reconhece que deve haver inéditos e preciosidades ainda desconhecidas entre as coleções.
O IEB deve ganhar um novo prédio em 2010, que está sendo construído para abrigar a coleção doada pelo bibliófilo José Mindlin. Mas não se trata de incorporação pelo IEB, já que a administração da brasiliana de Mindlin, umas das principais coleções privadas brasileiras, reunida ao longo de décadas, permanecerá independente.
O IEB, que foi fundado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda em 1962, perdeu o acervo pessoal do seu próprio fundador para a Unicamp em uma disputa que durou meses e terminou em 1983. Atualmente, os livros e documentos do autor do clássico "Raízes do Brasil" estão abrigados em Campinas (SP).


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