São Paulo, domingo, 17 de março de 2002 |
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+ livros "A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo" traça um amplo painel da cultura e da política durante o Segundo Reinado Chacotas e galhofas no império
José Geraldo Couto
O título "A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo"
chega a ser modesto, pois, embora a literatura seja o foco
principal deste precioso livro do pesquisador e ensaísta Ubiratan Machado, a extensão e a variedade dos temas abordados configuram um autêntico painel da
cultura e da vida social no Segundo Reinado (1840-1889), pelo menos em seu
segmento mais urbano.
A cada episódio ressaltam os contrastes e paradoxos de nossa sociedade imperial, como reverberações da contradição principal, entre liberalismo e escravidão, tão bem explicitada por Roberto Schwarz. Mesmo "fora do lugar", as idéias e costumes europeus tiveram vigência e influência por aqui, mas devidamente abrasileirados. Um dos mais interessantes aspectos secundários do livro de Ubiratan Machado é mostrar -sem chamar a atenção para isso- a aclimatação que os paradigmas românticos franceses, alemães e ingleses sofreram no Brasil. O epicurismo de Byron, por exemplo, tão temido pelas hostes conservadoras, ganhou tintas quase paródicas nas repúblicas de São Paulo e Recife. Embora o autor não explicite essa interpretação, parece que há sempre um ar de galhofa pairando sobre a boêmia e a literatura dos jovens românticos, em que pese a tragédia que marcou a vida de alguns deles. Um romantismo regado, em grande parte, por modinhas, polcas, serestas e lundus, apimentado por repentes, temperado por chacotas. Foi, em muitos sentidos, um momento "sui generis" da história da cultura ocidental. Uma de nossas grandes originalidades, por exemplo, foi o papel desempenhado pelo imperador Pedro 2º. Como nos mostra Ubiratan Machado, d. Pedro foi um dos raros monarcas, senão o único, que participou diretamente de polêmicas literárias (defendendo "A Confederação dos Tamoios" dos ataques de José de Alencar), fomentou saraus de poesia e se deixou satirizar impiedosamente por poetas, jornalistas e caricaturistas do período. Além de d. Pedro, outras figuras se desprendem, como seres de carne e osso, das páginas de "A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo": José de Alencar, híbrido de bem-sucedido homem de letras e político, de perfil tão imperial quanto o próprio imperador; Castro Alves, bardo ardente e uma espécie de "precursor do amor livre"; Machado de Assis, que parece ter vivido os vícios do romantismo como uma doença infantil da qual se libertaria para reinventar nossa literatura... e dezenas de outros. Suas existências, entrelaçadas, formam uma espécie de história cotidiana do império. Enfim, uma leitura tão obrigatória quanto prazerosa. A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo 314 págs., R$ 35,00 de Ubiratan Machado. Ed. da Uerj (r. São Francisco Xavier, 524, CEP: 20550-900, rj, TEL. 0/xx/21/2587-7788). Texto Anterior: + livros: Uma aquarela desbotada Próximo Texto: O belo artístico da ciência Índice |
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