São Paulo, domingo, 17 de maio de 2009

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Liberal e exaltado


Amplo estudo mostra a trajetória de Cipriano Barata como defensor da liberdade de imprensa

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 30, Caio Prado Júnior reclamou que a história oficial tratara Cipriano Barata (1762-1838) com "relativo desprezo". Três décadas mais tarde, a queixa se repetiria com Nelson Werneck Sodré, para quem o pioneiro da imprensa libertária no Brasil tinha sido "diminuído" e "ridicularizado" pela historiografia.
A publicação de "Sentinela da Liberdade e Outros Escritos", uma reunião de textos de Cipriano Barata organizada por Marco Morel, corrige as distorções apontadas pelos dois intelectuais.
Cipriano Barata foi o "panfletário da Independência", expressão usada por Morel em trabalho anterior sobre o carbonário redator do "Sentinela da Liberdade".
Tratava-se de jornal militante que defendia, entre outras causas de caráter progressista, o republicanismo, o antiaristocracismo, a eliminação gradual do trabalho escravo, a ampliação dos direitos de cidadania para os oprimidos e a constitucionalização do país baseada no liberalismo político.
Antes de jornalista, no entanto, Barata foi revolucionário, inclusive cronologicamente. No final do século 18, depois de voltar de Lisboa, onde entrou em contato com os ideais da Revolução Francesa, foi acusado de envolvimento na Conjuração Baiana (1798) e acabou preso -a primeira das várias vezes que foi para a cadeia, onde passaria grande parte da vida adulta.
Alguns anos depois, em 1817, apoiou o movimento republicano de Pernambuco.
Por um breve período, Barata participou do jogo político legal, tendo sido eleito deputado nas cortes de Lisboa em 1821, na esteira do movimento constitucionalista do Porto, no ano anterior.
Sua atuação, porém, nada teve de convencional. No episódio que mais simbolizou o desligamento do Brasil de Portugal, Barata trocou socos com outro deputado baiano, Luís Paulino Pinto da França, um conservador de quem discordava sobre quais seriam os reais interesses do Brasil.
Não há, provavelmente, melhor imagem para definir um "liberal exaltado", como eram chamados os críticos do absolutismo monárquico naquele efervescente período que marcou a passagem da Colônia para o Império.

Manifestos inéditos
O jornalista surgiria só em 1823, quando Cipriano Barata contava 60 anos.
O "Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco" (o lugar no título mudava à medida que Barata mudava de cidade ou era preso) foi editado no Recife porque o redator estava impedido de entrar na Bahia, então em guerra civil pela Independência. Mas estava longe de ser uma publicação local -o jornal era lido nas maiores cidades brasileiras e em Portugal.
O material coletado por Morel é rico. Dos 186 números do jornal, 88 estão transcritos no livro. Há ainda a reprodução de manifestos, alguns inéditos.
Com a grafia agora atualizada, os textos deixam mais aparente, ao leitor que superar os obstáculos da retórica às vezes datada, o estilo que mistura com eficiência o erudito e o coloquial.
Em um dos primeiros números, Barata aborda a liberdade de imprensa: "É a imprensa que nos facilita os meios de publicar as tramas dos gabinetes, os erros dos que governam, as injustiças dos magistrados, as violências de todos os empregados públicos, os furores da tirania. [Ela] é a salvaguarda dos nossos direitos, a sentinela social pública".
Uma definição que resiste ao tempo.
Publicado de forma intermitente até 1835, o jornal retrata a evolução das opiniões de Barata, que, sendo pessoais, também refletiam uma vertente do pensamento liberal.
Nos primeiros números, o "Sentinela" chegou a publicar informações sobre fugas de escravos. A partir de 1831, recusou esses anúncios, o que o colocou em atrito com setores da sociedade escravocrata, em que era tratado como "haitianista" -promotor do modelo político do Haiti, que chegou à independência depois do levante dos escravos.
Sua revolução, entretanto, era mais política que social.
Pertencente à elite, Barata teve uma trajetória que Morel chama de "desviante", distante do poder. Morreu na miséria, o que, no caso, é atestado não de fracasso, mas de idoneidade.
Embora voltada para pesquisadores, a obra pode ser lida com proveito pelo leigo interessado numa narrativa engajada do momento inaugural do Brasil independente.


OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "Folha Explica Roberto Carlos" e "A Aventura do Dinheiro" (Publifolha), entre outros.

SENTINELA DA LIBERDADE E OUTROS ESCRITOS
Organizador: Marco Morel
Editora: Edusp (tel. 0/xx/11/ 3091-4008)
Quanto: R$ 136 (936 págs.)


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