São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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Renúncia à língua

N ão escrevo mais como antes, o que equivale a dizer que não escrevo mais. A princípio, quando comecei a fazer cinema, pensei que fosse apenas a adoção de uma técnica diferente, quase uma técnica literária diversa. Mas depois, pouco a pouco, percebi que se trata da adoção de uma língua diferente.
Então abandonei a língua italiana, com a qual me expressava como escritor, e adotei a língua cinematográfica. Disse várias vezes, por puro protesto, contestação total, que eu gostaria de renunciar à nacionalidade italiana. Ao fazer cinema, renunciei à língua italiana, isto é, à minha nacionalidade.
Mas a verdade é outra, talvez mais complicada e profunda: a língua exprime a realidade por meio de um sistema de signos. Já o cineasta exprime a realidade por meio da realidade. Essa talvez seja a razão de gostar do cinema, de preferi-lo, pois, ao exprimir a realidade como realidade, opero e vivo continuamente no nível da realidade.
Não nos importamos nem um pouco com a poesia. Usamos a palavra "flor" porque ela nos serve em nossas relações humanas. As imagens, ao contrário, fundam-se nas imagens dos sonhos e da memória.
Quando sonhamos e recordamos, rodamos dentro de nós pequenos filmes. Isso quer dizer que o cinema tem seus fundamentos e suas raízes numa linguagem completamente irracional, irracionalista. [...]No fundo, quando alguém vê um filme, tem a impressão de ter sonhado.


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