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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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YARA FRATESCHI VIEIRA

[ESPANHA]

1. Era professora titular de literatura portuguesa no departamento de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

2. Depois de me aposentar, vi que tinha a oportunidade de dedicar-me ao estudo da lírica medieval galego-portuguesa num centro onde pudesse ter acesso privilegiado à documentação e à bibliografia sobre o assunto. Além disso, estava também interessada na poesia galega contemporânea, pouco conhecida no Brasil. Por isso, decidi passar uma temporada -não diria me radicar- em Santiago de Compostela. Depois de estar dois anos aqui como pesquisadora, a universidade me ofereceu um contrato como professora por mais dois anos; envolvi-me também, com uma equipe de especialistas, num projeto que inclui a preparação de volume com a versão portuguesa das "Randglossen", de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, neste momento quase pronto.

3. Na Espanha em geral e para o grande público, creio que sim. Nos últimos anos, porém, o Brasil tem recebido mais atenção dos meios de comunicação espanhóis, focalizada na violência urbana e desigualdade social; o interesse da imprensa pela crise econômica que antecedeu as eleições e, depois, pelo processo e resultado eleitorais estava ligado, em grande parte, ao risco dos investimentos espanhóis no país. É preciso mencionar também o número crescente de imigrantes brasileiros na Espanha, assimilados em geral aos estereótipos do imigrante: despreparados, marginais, prostitutas. No caso da Comunidade Autônoma da Galícia, onde está Santiago de Compostela, existe especial interesse econômico, político e cultural pelo Brasil, graças ao contingente de imigrantes galegos no nosso país e ao sentimento de que fazemos parte de um continuum linguístico (o galego e o português falados na Europa, no Brasil, nos países africanos e no Timor Leste).

4. Há hoje um grande desnível salarial, por causa da desvalorização do real nos últimos anos. Quanto a condições de trabalho, a universidade espanhola se beneficia, naturalmente, de acesso mais fácil e mais generalizado a boas bibliotecas, arquivos, laboratórios, meios informáticos etc. Por outro lado, a carga docente é alta, as exigências administrativas, cada vez maiores, e o orçamento, cada vez menor. A estrutura universitária é, formalmente, democrática -representação de professores e alunos nos diversos níveis dos conselhos universitários, eleição de reitor, concursos para provimento de cargos etc. No entanto o funcionamento ainda é bastante hierárquico: embora não existam mais as atribuições tradicionais do "catedrático", ele continua a ser a espinha do poder no que se refere, por exemplo, a carreira, estabilidade e promoção. No ano passado, o governo baixou autoritariamente uma reforma do ensino superior que gerou polêmica generalizada e greves nacionais da comunidade universitária (sem sucesso, aliás), que a considerou, entre outras coisas, mais um passo para a privatização crescente do ensino. Hoje em dia o desafio é adaptar a universidade às exigências de equiparação geradas pela União Européia.

5. O acesso a fontes documentais e bibliografia especializada, bem como o contato entre pesquisadores, permite a formação de especialistas com fundamentação mais sólida. O Brasil, depois de ter contado com alguns nomes importantes na área, negligenciou nas últimas décadas esse tipo de estudo "filológico", no sentido mais amplo do termo, e agora vem recuperando lentamente o terreno perdido, por meio da criação de associações e do estímulo a novos especialistas. No entanto há muito o que fazer para estimular e formar os estudantes, oferecendo-lhes condições minimamente satisfatórias de pesquisa -o que não se consegue, antes de mais nada, sem boas bibliotecas e consultas documentais. Por outro lado, a nossa maneira de olhar a Idade Média será e deve ser sempre própria, necessariamente distinta do olhar europeu. O que não quer dizer que deva ser menos informada, apenas que pode colocar questões diferentes.

6. Não. Não custa lembrar, porém, que a competição profissional é feroz e às vezes um doutorando estrangeiro pode ser visto como ameaça no mercado de trabalho.

7. Sim. Os meus primeiros interlocutores pessoais e profissionais estão no Brasil.


A competição profissional é feroz e às vezes um doutorando estrangeiro pode ser visto como ameaça no mercado de trabalho


Professora de literatura portuguesa, 64
Universidade de Santiago de Compostela
Deixou o Brasil em: 1997
Principais obras: "Antologia de Poesia Galega" e "Sob o Ramo da Bétula" (sobre Fernando Pessoa), ambos pela ed. da Unicamp




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