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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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MANUELA CARNEIRO DA CUNHA

[EUA]

1. Eu era professora titular do departamento de antropologia da USP.

2. O convite do departamento de antropologia da Universidade de Chicago.

3. Não.

4. Só posso falar da Universidade de Chicago, onde trabalho. Essa é uma das mais renomadas universidades de pesquisa, onde o ensino se concentra principalmente no doutorado. Não é certamente representativa da grande maioria das universidades do país. O ambiente intelectual aqui é especialmente estimulante, com uma oferta intensa de conferências, debates e grupos de estudo. O problema é ter tempo para aproveitar plenamente essa oferta. Os alunos são de excelente nível, simplesmente porque, a demanda sendo muito maior, uma boa universidade pode escolhê-los a dedo. O salário e a consideração que se tem por um professor são sem dúvida mais altos do que no Brasil. Também se trabalha muito mais, mas as condições são consideravelmente melhores. Dispõe-se de excelentes bibliotecas, de assistentes de pesquisa, de fundos para participar de Congressos e reuniões e até para iniciar novos projetos e preparar pedidos de auxílio para pesquisa.

5. O Brasil tem excelente antropologia, tanto assim que recentemente Lévi-Strauss declarou à revista francesa "Nouvel Observateur" que era no Brasil que se fazia atualmente a melhor etnologia. Nos Estados Unidos, muitos antropólogos, nos últimos 10 a 15 anos, se concentraram na busca de novas maneiras de escrever sobre velhos assuntos e em estudar assuntos "não (anteriormente) convencionais", como por exemplo comunidades científicas -tais como físicos ou biólogos-ou comunidades financeiras. Foi em grande parte uma época de transição e de crise, que talvez já se tenha esgotado e com a qual, confesso, não tenho grandes afinidades. Chicago e Michigan, entre alguns outros grandes centros, souberam guardar suas distâncias em relação a esse movimento. Aqui, me sinto participante de uma antropologia histórica e aprendiz, na medida do possível, de uma antropologia linguística, ambas escolas muito importantes nesta universidade. Mas, sobretudo, prezo a conversa que se trava na Universidade de Chicago: grandes expoentes das várias correntes dentro da antropologia têm sabido manter um diálogo muito fecundo e ao mesmo tempo dar aos alunos uma sólida formação clássica.

6. Nunca. Mas aprender os usos e costumes acadêmicos aqui, levando em conta que minha formação se deu na França e no Brasil, tem sido um aprendizado longo e ainda inconcluso.

7. O Brasil é meu país: é no Brasil que eu posso fazer alguma diferença e portanto quero voltar. Nasci em Portugal, filha de judeus húngaros que tiveram a sabedoria de ir para Portugal pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Guardo, só Deus sabe por que, um sotaque leve, mas inconfundivelmente português. No entanto, como disse, o Brasil é meu país, aquele com o qual me identifico, onde cresci, onde estão meus filhos, minhas irmãs e até, a maior parte do tempo, meu marido. Orgulho-me de ter contribuído um pouco para o capítulo dos direitos dos índios na Constituição de 1988. Mesmo quando estou assessorando organismos internacionais, faço-o do ponto de vista dos nossos interesses.
Dos Estados Unidos, não deixo de acompanhar o que está acontecendo no Brasil, onde passo de quatro a cinco meses por ano e onde continuo participando de iniciativas que me parecem importantes. No momento, por exemplo, estou participando de estudos para uma nova legislação sobre conhecimentos de populações tradicionais associados à biodiversidade. Também não deixei de publicar sobre questões brasileiras para um público brasileiro: há poucos meses saiu um volume que organizei juntamente com Mauro Almeida, "A Enciclopédia da Floresta", que trata dos conhecimentos de populações de índios e seringueiros do alto rio Juruá.
Vir para os Estados Unidos, há quase nove anos, foi um desafio e uma mudança de vida que ampliou meus horizontes. Por mais que eu esteja satisfeita na Universidade de Chicago, acho que daqui a pouco vai me dar aquela coceirinha de arriscar uma nova experiência, talvez até um novo tipo de atividade. Gosto de muitas coisas e gosto de riscos. Uma vida só é muito pouco, precisaríamos ter muitas mais.


O Brasil é meu país; é no Brasil que posso fazer alguma diferença, portanto quero voltar


Antropóloga, 59 Universidade de Chicago Deixou o Brasil em: 1994 Principais obras: "Enciclopédia da Floresta" (com Mauro de Almeida) e "História dos Índios no Brasil" (ambos pela Cia. das Letras)


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