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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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LIDIA SANTOS

[EUA]

1. Eu era professora de literatura hispano-americana na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ). Quando deixei o Brasil, em agosto de 1995, estava montando, com outros colegas, um programa de pós-graduação em América Latina, nos moldes do Prolam (Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina), que eu tinha visto nascer na USP, onde terminei meu doutorado, em 1993. Também integrava a diretoria da Associação Brasileira de Literatura Comparada (biênio 94-96). Era ainda escritora, com um prêmio nacional (o Cora Coralina, em 1987) e um internacional (o Guimarães Rosa, em 1992), oferecido pela Radio France Internationale. Em 1994 tinha publicado "Os Ossos da Esperança", meu segundo livro de contos.

2. Vim para os EUA porque fui convidada para lecionar em Yale. O convite, para um cargo de "conferencista", acabou se transformando num contrato de professora-assistente que durou até 2002, quando fui promovida a professora associada de literaturas brasileira e hispano-americana.

3. Claro que, num dos centros da vida intelectual dos EUA, como Yale, a visão do Brasil é menos estereotipada. Ainda assim, colegas de campos não relacionados à América Latina tendem a perguntar-me sobre a devastação da floresta amazônica, a miséria ou a violência nas grandes cidades brasileiras. Em geral, respondo que esses problemas foram gerados aqui mesmo, no hemisfério Norte.

4. Num centro de excelência acadêmica como Yale, as condições de trabalho são infinitamente diferentes das que qualquer universidade brasileira possa oferecer. Há computadores e internet grátis para todos. O professor pode pedir um volume que não exista nos catálogos, o que é raro em qualquer outra biblioteca do país. Mas nem sempre essa facilidade se traduz em qualidade. Comparando as condições de trabalho e o acesso à informação nos dois países, posso dizer que, proporcionalmente, encontrei mais colegas e alunos brilhantes no Brasil do que nos EUA. Quanto aos salários, a academia norte-americana não é tão generosa quanto se pensa. Nas universidades de primeira linha, sempre particulares, cada professor negocia seu salário individualmente e nunca se sabe quanto ganha um colega. Essa é a principal diferença em relação às melhores universidades brasileiras, que, sendo estatais, têm um patamar de salários de domínio público. Finalmente, o privilégio das glórias individuais gera poucos altos salários, pagos às "estrelas", cabendo à massa do professorado uma realidade salarial semelhante à brasileira.

5. No caso dos estudos brasileiros, não há muita diferença. O "brasilianista" já não pode prescindir da pesquisa brasileira, graças ao volume e à qualidade das publicações feitas no Brasil. Além disso, a matéria-prima está aqui. O mesmo não acontece no caso hispano-americano. A grande quantidade de professores hispano-americanos -e até de escritores- radicados nos EUA faz com que as pesquisas sobre a América hispânica feitas no hemisfério Norte ganhem mais visibilidade que as nacionais.

6. Não, de nenhuma maneira. Sou branca e vivo na privilegiada bolha de um campus universitário caracterizado por uma grande diversidade étnica e cultural.

7. Sim. Em primeiro lugar, porque morro de saudade. Em segundo lugar, porque minha obra de ficção se alimenta do Brasil. É muito difícil inventar histórias sobre um país quando não se vive nele. Remedio a saudade indo ao Brasil a cada ano, às vezes, como no ano passado, duas vezes por ano. Um dia acabo voltando de vez.


Comparando condições de trabalho e acesso à informação, encontrei mais colegas e alunos brilhantes no Brasil do que nos EUA


Professora de literaturas brasileira e hispano-americana, 54
Universidade Yale
Deixou o Brasil em: 1995
Principais obras: "Kitsch Tropical" (Vervuert/Iberoamericana) e co-autora de "Passions du Passé" (L'Harmattan)


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