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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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LIGIA CHIAPPINI

[ALEMANHA]

1. Era professora titular de teoria literária e literatura comparada no departamento do mesmo nome na USP, do qual fui chefe entre 93 e 95.

2. Acasos da vida ou destino, como disse Antonio Candido, quando lhe contei que viria para a Alemanha. Talvez ainda o gosto de novos desafios...

3. O Brasil é aqui e em todo o mundo o país do Carnaval, do futebol, do Sol, do mar. E isso tudo é verdade e muito bom. Os alemães valorizam isso, e aqueles mais bem informados sabem que o Brasil é muito mais do que isso e também muito menos. Na cátedra de brasilianística, que tenho a honra de ocupar e que é a primeira e única da Alemanha, estou tentando fazer um trabalho para superar o estereótipo do Brasil tropical, divulgando um pouco da produção cultural do Sul. Para vencer o bloqueio do Tratado de Tordesilhas no âmbito da cultura e ajudar a construir um Mercosul também nesse nível, estou incentivando os estudos comparados com os países do Prata. Nesse sentido, um projeto de pesquisa em andamento, "Fronteiras Culturais e Culturas Fronteiriças na Comarca Pampiana", deu origem a um simpósio internacional, uma exposição ("O Gaúcho na História e nas Artes"), um recital de piano por Olinda Alessandrini e a exibição do filme "Netto Perde Sua Alma", de Tabajara Rúas e Beto Souza, realizados em Berlim, em julho de 2002. O evento foi idealizado e coordenado por mim e por Maria Helena Martins, diretora do Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins. Ela coordena um projeto afim, intitulado "Fronteiras Culturais -Brasil-Uruguai-Argentina", que apresentou ao público berlinense nessa ocasião. Foram nossos importantes parceiros o Instituto Ibero-Americano, o Instituto Cultural Brasil-Alemanha, a Embaixada brasileira em Berlim, o Memorial da América Latina de São Paulo, os institutos Goethe de São Paulo e Porto Alegre, o Ministério da Cultura, a Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre e o governo do Estado do Rio Grande do Sul. Desse trabalho resultou um livro-CD-DVD, em fase de produção: "Pampa e Cultura - De Fierro a Netto".

4. Em geral, no Brasil, temos a tendência de idealizar as condições de trabalho no chamado Primeiro Mundo. Eu costumo dizer que aí ainda estamos bem atrasados e que isso tem vantagens que seria bom tentar conservar, tais como a maior estabilidade do corpo docente nas universidades públicas, conquistada por concursos e defendida sempre contra algumas tentativas de "modernizá-la" ou, como se diz hoje, "flexibilizá-la". Na Alemanha só os titulares têm cargo fixo e, assim mesmo, estes estão sendo substituídos pelo "titular júnior", que terá contrato limitado por cinco anos ou um pouco mais e depois deverá buscar emprego alhures. Financeiramente, a situação não é muito diferente da dos professores universitários brasileiros, se considerarmos que o custo de vida é muito alto e que os impostos são pesados. Além disso, há aqui menos fontes financiadoras para a pesquisa e a participação em congressos do que no Brasil, e os projetos são julgados por pareceristas, segundo critérios pouco transparentes e pouco ou nada democráticos, não sendo bem visto o pesquisador que recorre de pareceres julgados inadequados ou injustos.

5. No Brasil, naturalmente, as pesquisas em literatura e cultura brasileiras são mais aprofundadas. Aqui elas tendem a ser mais genéricas, quando não superficiais. Talvez isso seja complementar.

6. Afora um ou outro mal-educado, que há em qualquer parte do mundo, sempre fui respeitada por meus/minhas colegas, por funcionários/funcionárias, pelos/pelas estudantes, bem como por vizinhos/vizinhas e alemães/alemãs em geral.

7. Eu não saí de todo do Brasil. Volto duas ou três vezes por ano e fico de um a dois meses, pois não posso ensinar literatura brasileira na Alemanha, fazer e orientar pesquisas aí sem me atualizar minimamente, contatando colegas brasileiros, frequentando colóquios e bibliotecas, comprando livros e lendo as teses que se produzem com tanta quantidade e qualidade no país. Minha permanência na Europa depende de um valor mais alto do que a pátria de nascimento e as pátrias de adoção: minhas filhas, Claudia, que está na Alemanha, e Cristina, na Itália. Queremos, eu, Gerson (o pai) e elas, pelo menos, viver todos no mesmo continente.


Há na Alemanha menos fontes financiadoras para a pesquisa do que no Brasil



No Brasil, temos a tendência de idealizar as condições de trabalho no chamado Primeiro Mundo


Professora de literatura brasileira, 57
Universidade Livre de Berlim
Deixou o Brasil em: 1997
Principais obras: "Regionalismo e Modernismo", "O Foco Narrativo" (ambos pela Ática) e "No Entretanto dos Tempos" (Martins Fontes)


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