São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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PM de algemas

Para antropóloga, sociedade vê corporação como "a Geni do serviço público", mas mandatos dos policiais são um "cheque em branco"

DA SUCURSAL DO RIO

Estado ambulante" e principal tomador de decisões, o policial militar vive a insegurança de ter um "mandato" indefinido, "um cheque em branco", ao mesmo tempo em que é submetido a pressões e desautorizado a todo momento. A avaliação é da antropóloga Jaqueline Muniz, professora do mestrado em direito da Universidade Cândido Mendes, no Rio, e autora da tese de doutorado "Ser Policial É Sobretudo uma Razão de Ser" (trecho da "Canção do Policial Militar").
Para ela, o policial vive no "limbo", na indefinição do que pode ou não pode fazer, e o saber aprendido no cotidiano da rua não é levado à escola.
Muniz considera que comentários de PMs do curso demonstram "sensibilidade crítica e política, lucidez".
Para ela, o problema está no "mandato em aberto, que torna o PM mais vulnerável que o bandido". A ausência de regras aumenta a violência e dificulta o controle da polícia.
"É um cheque em branco, de que cada um se apropria e preenche como deseja, porque o mandato não está normatizado de maneira clara."
"Até onde vai o mandato do policial? O PM é o tempo todo desautorizado e não está preparado para tomar decisões. Na ausência de clareza, ele se sabe inseguro, e todo uso de força é considerado violência. Aí tende a agir com mais força que o necessário. Quanto menor a confiança, mais violência. O mandato do policial está foragido."
Para ela, os PMs são violentos "não por serem facínoras", mas porque não há política de uso da força. "A violência é uma resposta. Quem se responsabiliza? O que aceitamos? Achamos que o PM é faxineiro social, a "Geni" do serviço público. A corrupção acontece, na definição sociológica, que é de desvio do mandato público."
As pressões políticas e o assédio, diz, empurram os policiais para a irregularidade, a barganha e os negócios informais. "Não há "accountability" [prestação de contas]. Como posso responsabilizar alguém se as regras do jogo estão abertas? O policial tem vários patrões, e cada procurador foge com sua procuração. Estão abertos ao improviso. O PM se preocupa se está agradando ao coronel, à milícia, ao político. Vive entre a cruz e a caldeira. Indigente, mendicante, a polícia recebe migalhas para continuar dependente."

Descontrole
A antropóloga afirma que a situação deixa os PMs "algemados" e gera descontrole.
"Quem tem controle? O secretário? O governador de fato manda? É a privatização do mandato: o PM é o Estado ambulante nas ruas. Quando atira, é o governador atirando. Tem de ter autonomia diante dos grupos de pressão para prestar contas e não ser vulnerável. Ou fabrica saldos operacionais para salvar a carreira. Alguém nega o pedido de um policial? Ninguém melhor que o agente da lei para o governo paralelo."
Pela ausência de regras objetivas, explica Muniz, os mecanismos de controle interno da corporação "são muito mais decorativos que funcionais". "Não tem termos concretos. Por mais que a Corregedoria e a Ouvidoria possam agir, esbarram na ausência de regras."
Na opinião da pesquisadora, "ignora-se que o policial da esquina é o principal tomador de decisões". "É visto como soldado, e não como executivo de Segurança Pública. Negamos sua autoridade e discricionariedade. Tem de decidir instantaneamente: "Atiro ou não, recuo ou avanço?". São decisões que não se adiam. E, quando se nega essa autoridade, esse PM é o mais frágil, inseguro."


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