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O ANO EM IDÉIAS
DESREGULAMENTAÇÃO DA TV, QUEDA DOS JUROS E FIM DO
VESTIBULAR SÃO ALGUMAS DAS MEDIDAS APONTADAS PARA
MUDAR O BRASIL EM 2006, QUE SERÁ MARCADO POR ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS, BIENAL DE ARTE E COPA DO MUNDO
Comportamento - O labirinto da cidade-cultura
NICOLAU SEVCENKO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Está à altura de qualquer um
que assim o queira, é claro,
portar-se como um cidadão
canônico. Afinal, o país é tido
como livre e ninguém suporta admitir que, pessoalmente, talvez não o
seja. A prova quintessencial dessa liberdade sendo a possibilidade de escolha, ainda que entre sete opções de
analgésicos ou entre dois candidatos
numa eleição de voto compulsório.
Experiências dolorosas recentes,
de diferentes naturezas, têm porém
disseminado atitudes de maior prudência e sentimentos difusos de desconfiança, rejeição e assombro. Mas
seria um erro permitir que a atual
onda de frustração, decepção e abatimento se traduzisse em cinismo.
A melhor inspiração vem do mito
do labirinto. O ardil fundamental de
Dédalo, seu construtor, era o de uma
rede tão simétrica e intrincada de caminhos, uns absolutamente idênticos aos outros, de forma que seria
impossível distinguir onde estavam
as rotas, como se retornava ao início
ou como se achava a saída.
Uma vez dentro, você estaria perdido para sempre, entregue à voracidade do Minotauro. A solução foi o
fio de Ariadne, fino, flexível, leve,
quase invisível. Graças a ele Teseu
venceu a estrutura, matou o Minotauro e voltou aos braços da amada.
Estratégias sutis
As grandes crises requerem estratégias sutis. Em primeiro lugar a
avaliação: qual é a megaestrutura
atual? Ela é representada pelos interesses simétricos do mercado e da
publicidade, de um lado, e da tecnociência e da tecnoburocracia, do outro. As linhas eletrônicas, que ligam
criaturas independentes em redes
autônomas, parecem ser o fio da saída. Em parte são; o front eletrônico
ferve. Ninguém mais liga para quem
não se liga. Mas quem está ligado sabe que a tecnologia é mais parte do
problema que da solução.
O fato é -o pessoal rápido no teclado já sacou- que não há retorno.
O grau de interferência que os sistemas técnicos atingiram em todas as
dimensões do mundo natural são de
tal magnitude que o ambiente do
planeta se transformou numa tecnosfera. A essa altura, só a tecnologia pode nos salvar dos efeitos nefastos da ruína pelo desequilíbrio tecnológico. Ou seja, é preciso reconceptualizar as técnicas.
Ante a iminência do desastre, o
que as cabeças espertas estão engendrando é uma ecotecnociência,
preocupada em voltar as pesquisas e
conhecimentos de ponta para o reequilíbrio natural do planeta, para o
incremento da qualidade de vida nas
cidades e para a melhor distribuição
dos recursos entre as gentes. São inaceitáveis discursos que defendam
soluções estritamente técnicas para
questões de amplo impacto social e
ambiental, sejam elas a transposição
de rios, a gestão do tráfego nas metrópoles ou a proteção de florestas e
mananciais.
Uma ciência sensível
Assim como na época da industrialização selvagem um filósofo
propôs uma "gaia ciência", hoje as
novas gerações pressionam por uma
"ciência sensível": socialmente responsável, ecologicamente orientada
e crítica tanto de seus limites quanto
de seus potenciais ameaçadores.
O outro lado, simétrico, da megaestrutura é sua dimensão espetacular, composta pelo eixo do mel:
mercado, publicidade e consumo.
Esse efeito vitrine oculta uma dinâmica que integra pelo despejo dos
indesejáveis enquanto articula uma
racionalidade estatístico-visual do
sucesso e do estilo.
Seu subproduto é a cidade-cultura,
cenário bufo da nova indústria do
turismo, sobreposto à tensão social e
à degradação urbana. A resposta do
povo de Ariadne é o confronto do
"tour" pelo "détour", a criação de
uma cidade nômade dentro de uma
sedentária, furando os muros da exclusão, reatando laços esgarçados,
deflagrando a cultura-entropia, detonando o labirinto.
Nicolau Sevcenko é professor de história
na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP e autor de "Orfeu Extático
na Metrópole" e "Literatura como Missão"
(Companhia das Letras), entre outros.
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