São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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Corrida espacial em marcha lenta

CRISE ECONÔMICA E CORTES NO ORÇAMENTO DA NASA PRATICAMENTE INVIABILIZAM PROGRAMA NORTE-AMERICANO PARA MARTE; CHINA TENTA SEGUIR OS PASSOS DOS EUA EM DIREÇÃO À LUA, MAS PLANEJA CHEGAR AO SATÉLITE SÓ DEPOIS DE 2025

28.set.03 - Associated Press/China Photos
Foguete "Longa Marcha", que levou a primeira nave espacial tripulada chinesa ao espaço

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Se nos anos 60 a Terra era azul, na conhecida frase do cosmonauta Yuri Gagárin, no novo milênio o planeta todo está no vermelho, mergulhado na pior crise econômica da história recente. Isso é verdade também no tocante à disposição do governo norte-americano de investir no programa espacial que poderá levar o homem de volta à Lua e, de lá, a Marte.
Quarenta anos depois da viagem que colocou um ser humano naquele satélite pela primeira vez, que se completam amanhã, os sonhos de repetir e ampliar o feito parecem mais distantes do que quando o presidente John Fitzgerald Kennedy (1917-63) pôs lenha na fogueira da corrida espacial entre as então duas superpotências, EUA e União Soviética, ao vender ao Congresso em 1961 a meta de "levar um homem à Lua e trazê-lo de volta a salvo para a Terra" antes do final daquela década.
O feito aconteceria às 20h17 (Tempo Universal Coordenado, equivalente às 17h17 de Brasília) do dia 20 de julho de 1969, quando o comandante da missão Apollo-11, Neil Armstrong, soltou as frases "Houston, aqui Base da Tranquilidade. A Águia pousou" e, seis horas depois, ao descer do módulo lunar, "este é um pequeno passo para um homem, um gigantesco salto para a humanidade".
Após fazer promessa semelhante à de JFK durante sua campanha no ano passado, Barack Obama propôs um orçamento planetário para a Nasa de US$ 1,5 bilhão [R$ 2,8 bilhões] para o ano fiscal de 2010.
Isso quer dizer que a agência espacial norte-americana terá para a exploração de novos planetas metade do que dispunha ao final do primeiro mandato de George W. Bush, em 2004.
"Nesse ritmo, não temos mais um programa viável para Marte", disse Edward Weiler, administrador associado da Nasa. Da década de 1970 até este ano, a parcela do Orçamento federal destinado à Nasa caiu de cerca de 4% para meros 0,6%.
Se o candidato cumpria à risca o manual do proselitismo, o presidente conhece sua plateia.
De acordo com levantamento do Pew Research Center, 18% dos entrevistados em maio de 1999 apontavam a conquista da Lua como o maior feito do homem dos últimos 50 anos; dez anos depois, esse número despencou para 12%, quase empatando com os que acham que eleger um presidente negro nos EUA é o maior feito (10%).

Emergentes
O fato de a maior economia do mundo não ter dinheiro ou disposição de investir na aventura abre campo para uma nova corrida espacial, dessa vez multipolar e patrocinada principalmente pelas economias emergentes, como mandam os tempos atuais.
Assim, o vácuo norte-americano vem sendo preenchido por países como a China, que com US$ 2 trilhões de reservas estrangeiras é o principal credor da dívida pública norte-americana. Com ajuda russa (só depois revelada), Pequim mandou seu primeiro astronauta ao espaço em 2003, tornando-se o terceiro país do mundo a fazer isso. Seu módulo lunar atingiu o objetivo em março. E eles prometem o primeiro chinês na Lua entre os anos de 2025 e 2030.
A empolgação é tal que o Instituto de Toponímia chinês abriu concurso para que a população ajude a criar palavras na língua local para os acidentes topográficos lunares oficiais, que foram estabelecidos em 1935 pela União Astronômica Internacional e inexistem em mandarim. Entre eles estão "catena" (cadeia de crateras lunares) e "palus" (crateras parcialmente enterradas).
Já a Índia logrou fazer chegar sua sonda lunar à superfície do satélite em novembro último.
Uma segunda missão lunar será lançada em 2012 e um satélite para Marte está em consideração. "Por enquanto, conseguimos colocar a bandeira nacional na superfície lunar", disse Madhavan Nair, chefe do programa espacial indiano.

Missões tripuladas
"Hoje, a tecnologia espacial não é mais motor de inovação", disse à Folha o brasileiro Gilberto Câmara, diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). "A tecnologia do foguete mudou muito pouco, e os satélites se beneficiam da miniaturização que ocorre na informática em geral."
Câmara foi o principal responsável por dar à política espacial brasileira hoje um viés claramente inclinado a objetivos práticos: observação da Terra e investigação científica.
Segundo ele, à exceção da China, é improvável que outros países tentem adotar o modelo norte-americano de programa espacial, que confere alta prioridade a missões tripuladas. O norte-americano Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua e prestes a completar 80 anos, escreveu na edição mais recente da "Popular Mechanics": "Vamos deixar para lá nosso programa lunar do "eu-sozinho" e convidar parceiros internacionais como China, Europa, Rússia, Índia e Japão para fazer o principal do planejamento, desenvolvimento técnico e financiamento".
Ou, como resumiu à Folha Richard Nafzger, do Goddard Space Flight Center, o engenheiro responsável pelos sistemas de transmissão de TV da missão do Apollo-11 naquela noite de 20 de julho de 1969: "Não me importo se é Lua ou Marte, se vamos juntos ou sozinhos, só me importo com uma coisa: que a humanidade continue explorando o espaço".


Colaborou RAFAEL GARCIA, da Reportagem Local


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