São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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Um grande salto para lugar nenhum

PARA JORNALISTA QUE COBRIU O PROGRAMA APOLLO, VIAGEM COMOVIA APENAS "PORQUE ERA DIFÍCIL'; HOJE TUDO PARECE NÃO FAZER MUITO SENTIDO

BOYCE RENSBERGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nós ensamos que ele mudaria tudo. Mas, 40 anos depois, a impressão que dá é que o pouso do Apollo-11 na Lua não fez muito sentido. Até a Nasa passou a achá-lo um tanto sem sentido, antes mesmo de o Programa Apollo completar seus dez pousos planejados.
Os últimos três foram cancelados e o dinheiro foi desviado para o desenvolvimento do ônibus espacial, que, por sua vez, será cancelado assim que a construção da Estação Espacial Internacional for concluída. E, como se para enfatizar a futilidade de enviar humanos para o espaço, a Nasa já planeja cancelar a estação até 2016. Não simplesmente cancelá-la, mas fazê-la propositalmente cair no mar, antes que possa despencar sobre uma área habitada. Tanto esforço e tanto dinheiro gasto ao longo de décadas. E para quê?
Venho refletindo intermitentemente sobre essa pergunta desde 16 de julho de 1969, quando assisti à ascensão dolorosamente lenta, mas retumbante, do foguete Saturno-5 de sua plataforma de lançamento em Cabo Canaveral (então Cabo Kennedy) e, quatro dias mais tarde, no centro de controle da missão, em Houston, Texas, vi a imagem borrada mostrada pela televisão de Neil Armstrong pisando sobre a superfície lunar.
Para quê? Só agora é que encontrei a resposta. Fizemos o pouso na Lua precisamente porque ele exigiu tanto esforço e tanta despesa. Foi isso o que prendeu nossa atenção tantos anos atrás, e era isso o que o tornava tão incrivelmente empolgante, pelo menos para quem acompanhava os acontecimentos da primeira fila.
O sentido do pouso na Lua ficou claro no discurso histórico do presidente Kennedy em 1961 anunciando a meta de pousar na Lua.
"Optamos por ir à Lua nesta década", disse ele, fazendo referência também a outras formas de pesquisas espaciais, "não porque sejam fáceis, mas porque são difíceis -porque essa meta vai servir para organizar e medir as melhores de nossas energias e habilidades".
Compreendo hoje que o que emocionou a mim e incontáveis outras pessoas em todo o mundo, 40 anos atrás, foi apenas em parte o fato de que seres humanos haviam tocado um corpo celeste que durante muito tempo se pensou estar fora de nosso alcance. Foi que nós -seres humanos mais ou menos como você e eu- tínhamos projetado e construído máquinas capazes de nos fazer atravessar um vazio de 386 mil quilômetros e pousar, tão gentilmente quanto uma pluma, sobre a Lua, sobre o próprio mar da Tranquilidade.
O que impressionou especialmente a muitos de nós, jornalistas que cobríamos a missão, era que, até o dia do pouso lunar, o módulo de alunissagem nunca tinha sido testado. Era demasiado frágil para que se pudesse testá-lo na Terra, com sua gravidade maior. Ele teria caído. A cabine superior que levantou Armstrong e Buzz Aldrin da Lua era fraca demais para decolar na Terra. A primeira vez em que todo aquele aparato desajeitado seria testado seria com duas vidas humanas em risco.
Como Kennedy previu, a missão foi difícil e, de fato, "organizou e mediu as melhores de nossas energias e habilidades".

O fim do espanto
Ficamos espantados e impressionados. E a mesma reação tiveram os soviéticos, o que, é claro, foi uma parte grande da razão que levou o governo americano a investir tanto esforço e dinheiro. O programa do ônibus espacial, que veio a seguir, nunca impressionou ninguém em grau comparável. Os foguetes eram menores. O destino era relativamente próximo -um lugar que já tínhamos visitado.
E quase nunca ficou exatamente claro por que precisávamos enviar pessoas para apertar botões no espaço que poderiam ter sido pressionados por controle remoto desde Houston, com muitíssimo menos esforço e gasto.
É verdade que teria sido quase impossível consertar o telescópio espacial Hubble com missões robóticas. Mas poderíamos ter construído e lançado vários outros telescópios comparáveis ao Hubble, em foguetes não tripulados, pelo mesmo preço das missões do ônibus espacial, preço tão alto pelo fato de haver pessoas a bordo.
Qual foi, então, o objetivo do ônibus espacial? Construir uma estação espacial, disseram os responsáveis pela política espacial. E qual era, perguntamos então, o objetivo da estação espacial? Aprendermos a viver no espaço, disse a Nasa.
Em outras palavras, vamos ao espaço para aprendermos a estar no espaço. Parece um tanto quanto sem sentido.
Mas o fato é que, 40 anos atrás, havia o aspecto da aventura: os bravos astronautas, o foguete retumbante, a ousadia do pouso na Lua, o esforço e o gasto! São coisas que nunca vou esquecer. A cobertura das missões do programa Apollo foi um dos grandes marcos de minha carreira jornalística.
Durante anos depois disso eu saía de casa à noite, com meus dois filhos, para lhes apontar a Lua e lhes dizer que muito tempo atrás, numa era que, para eles, poderia muito bem ter sido pré-histórica, seres humanos voavam até a Lua e caminhavam em sua superfície -apenas para buscar pedras e trazê-las para casa. Eles são crianças da geração "Guerra nas Estrelas", e, para eles, aqueles pousos na Lua parecem bem sem sentido.


BOYCE RENSBERGER 66, cobriu o programa Apollo para os jornais "Detroit Free Press" e "The New York Times". Foi editor de Ciência do "Washington Post" e diretor das bolsas Knight de Jornalismo Científico no Instituto de Tecnologia de Massachusetts
Tradução de Clara Allain.


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