|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Um grande salto para lugar nenhum
PARA JORNALISTA QUE COBRIU O PROGRAMA APOLLO, VIAGEM COMOVIA APENAS "PORQUE ERA DIFÍCIL'; HOJE TUDO PARECE NÃO FAZER MUITO SENTIDO
BOYCE RENSBERGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nós ensamos que ele
mudaria tudo. Mas,
40 anos depois, a impressão que dá é que o
pouso do Apollo-11 na
Lua não fez muito sentido. Até a
Nasa passou a achá-lo um tanto
sem sentido, antes mesmo de o
Programa Apollo completar seus
dez pousos planejados.
Os últimos três foram cancelados e o dinheiro foi desviado para o
desenvolvimento do ônibus espacial, que, por sua vez, será cancelado assim que a construção da Estação Espacial Internacional for
concluída. E, como se para enfatizar a futilidade de enviar humanos
para o espaço, a Nasa já planeja
cancelar a estação até 2016. Não
simplesmente cancelá-la, mas fazê-la propositalmente cair no mar,
antes que possa despencar sobre
uma área habitada. Tanto esforço
e tanto dinheiro gasto ao longo de
décadas. E para quê?
Venho refletindo intermitentemente sobre essa pergunta desde
16 de julho de 1969, quando assisti
à ascensão dolorosamente lenta,
mas retumbante, do foguete Saturno-5 de sua plataforma de lançamento em Cabo Canaveral (então Cabo Kennedy) e, quatro dias
mais tarde, no centro de controle
da missão, em Houston, Texas, vi a
imagem borrada mostrada pela televisão de Neil Armstrong pisando
sobre a superfície lunar.
Para quê? Só agora é que encontrei a resposta. Fizemos o pouso na
Lua precisamente porque ele exigiu tanto esforço e tanta despesa.
Foi isso o que prendeu nossa atenção tantos anos atrás, e era isso o
que o tornava tão incrivelmente
empolgante, pelo menos para
quem acompanhava os acontecimentos da primeira fila.
O sentido do pouso na Lua ficou
claro no discurso histórico do presidente Kennedy em 1961 anunciando a meta de pousar na Lua.
"Optamos por ir à Lua nesta década", disse ele, fazendo referência
também a outras formas de pesquisas espaciais, "não porque sejam fáceis, mas porque são difíceis
-porque essa meta vai servir para
organizar e medir as melhores de
nossas energias e habilidades".
Compreendo hoje que o que
emocionou a mim e incontáveis
outras pessoas em todo o mundo,
40 anos atrás, foi apenas em parte
o fato de que seres humanos haviam tocado um corpo celeste que
durante muito tempo se pensou
estar fora de nosso alcance. Foi
que nós -seres humanos mais ou
menos como você e eu- tínhamos
projetado e construído máquinas
capazes de nos fazer atravessar um
vazio de 386 mil quilômetros e
pousar, tão gentilmente quanto
uma pluma, sobre a Lua, sobre o
próprio mar da Tranquilidade.
O que impressionou especialmente a muitos de nós, jornalistas
que cobríamos a missão, era que,
até o dia do pouso lunar, o módulo
de alunissagem nunca tinha sido
testado. Era demasiado frágil para
que se pudesse testá-lo na Terra,
com sua gravidade maior. Ele teria
caído. A cabine superior que levantou Armstrong e Buzz Aldrin da
Lua era fraca demais para decolar
na Terra. A primeira vez em que
todo aquele aparato desajeitado
seria testado seria com duas vidas
humanas em risco.
Como Kennedy previu, a missão
foi difícil e, de fato, "organizou e
mediu as melhores de nossas energias e habilidades".
O fim do espanto
Ficamos espantados e impressionados. E a mesma reação tiveram os soviéticos, o que, é claro, foi
uma parte grande da razão que levou o governo americano a investir
tanto esforço e dinheiro. O programa do ônibus espacial, que veio a
seguir, nunca impressionou ninguém em grau comparável. Os foguetes eram menores. O destino
era relativamente próximo -um
lugar que já tínhamos visitado.
E quase nunca ficou exatamente
claro por que precisávamos enviar
pessoas para apertar botões no espaço que poderiam ter sido pressionados por controle remoto desde Houston, com muitíssimo menos esforço e gasto.
É verdade que teria sido quase
impossível consertar o telescópio
espacial Hubble com missões robóticas. Mas poderíamos ter construído e lançado vários outros telescópios comparáveis ao Hubble,
em foguetes não tripulados, pelo
mesmo preço das missões do ônibus espacial, preço tão alto pelo fato de haver pessoas a bordo.
Qual foi, então, o objetivo do ônibus espacial? Construir uma estação espacial, disseram os responsáveis pela política espacial. E qual
era, perguntamos então, o objetivo
da estação espacial? Aprendermos
a viver no espaço, disse a Nasa.
Em outras palavras, vamos ao
espaço para aprendermos a estar
no espaço. Parece um tanto quanto
sem sentido.
Mas o fato é que, 40 anos atrás,
havia o aspecto da aventura: os
bravos astronautas, o foguete retumbante, a ousadia do pouso na
Lua, o esforço e o gasto! São coisas
que nunca vou esquecer. A cobertura das missões do programa
Apollo foi um dos grandes marcos
de minha carreira jornalística.
Durante anos depois disso eu
saía de casa à noite, com meus dois
filhos, para lhes apontar a Lua e
lhes dizer que muito tempo atrás,
numa era que, para eles, poderia
muito bem ter sido pré-histórica,
seres humanos voavam até a Lua e
caminhavam em sua superfície
-apenas para buscar pedras e trazê-las para casa. Eles são crianças
da geração "Guerra nas Estrelas",
e, para eles, aqueles pousos na Lua
parecem bem sem sentido.
BOYCE RENSBERGER 66, cobriu o programa Apollo
para os jornais "Detroit Free Press" e "The New York
Times". Foi editor de Ciência do "Washington Post" e
diretor das bolsas Knight de Jornalismo Científico no
Instituto de Tecnologia de Massachusetts
Tradução de Clara Allain.
Texto Anterior: Corrida espacial em marcha lenta Próximo Texto: Vidas de astronautas depois da Lua são conturbadas Índice
|