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Uma nova história
Biógrafo de Hitler, o inglês Ian Kershaw diz que terrorismo atual explica interesse pelo livro
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
Desde os anos 1970,
o historiador britânico Ian Kershaw
se dedica ao estudo
do nazismo. Professor na Universidade de
Sheffield, no Reino Unido, ele é
famoso por suas biografias de
Hitler. Foi discípulo do historiador alemão Martin Broszat,
que abordou a ideologia nazista
relativizando a sua caracterização como totalitarismo.
Broszat preferia reduzir o
nazismo a emoções primitivas
e irracionais, marcadas pelo
anticomunismo, anti-semitismo e pela idéia do "renascimento" da nação alemã.
Kershaw é autor dos elogiados "Hitler, 1936-2000 - Nemesis" (2000) e "Hitler, 1889-1936 - Hubris" (1998) -ambos
lançados no Reino Unido pela
Penguin. No Brasil já teve editado seu "Hitler - Um Perfil do
Poder" (ed. Jorge Zahar), biografia do ditador nazista que
escreveu em 1991.
A seguir, o acadêmico comenta a evolução na abordagem literária de personagens
nazistas e como a luta contra o
terrorismo globalizado tem se
beneficiado dos estudos históricos sobre o nazismo.
FOLHA - Por que só hoje se está
dando voz a personagens "nazistas"
na literatura, como no caso de "As
Benevolentes", de Jonathan Littell?
IAN KERSHAW - Acho que devido
à passagem do tempo. Mas talvez haja outro ponto relevante.
Atualmente, com os terroristas, procuramos entender de
alguma forma como suas mentes funcionam, o que causa o
terrorismo.
Acho que existe mais interesse em relação ao nazismo porque se procura entender a razão pela qual os responsáveis
por esses crimes horríveis contra a humanidade agiram da
forma como agiram.
Tentamos capturar suas
mentalidades, ainda que deformadas. É por isso, talvez, que
em literatura agora seja possível dar "voz narrativa" a personagens nazistas.
FOLHA - Por que temas ligados ao
nazismo estão sendo revalorizados
com força na literatura e no cinema?
O assunto está sendo mais abordado pelos historiadores?
KERSHAW - Se houve realmente
essa revalorização, acho que
tem a ver também com a passagem do tempo -já faz mais de
60 anos que a era do nazismo se
foi- e com uma diminuição na
crueza das emoções em uma
geração que nunca experimentou o fenômeno. Como objeto
de estudo histórico, não acho
que esteja voltando a ser abordado. O nazismo continua a ser,
como sempre foi, um tópico
central de pesquisa histórica.
FOLHA - A Alemanha e a Europa estão mais "abertas" a discussões delicadas a respeito do passado e do Holocausto?
KERSHAW - A Alemanha tem se
engajado em debates públicos
acalorados sobre o passado nazista desde os anos 60. O Holocausto tem sido um tema público de discussão constantemente, há mais de 20 anos. As tentativas dos alemães de enfrentarem o seu passado têm sido recomendáveis em vários aspectos. Em outros lugares, demorou mais tempo. E é um processo ainda longe de se encerrar.
Mas tem se acentuado desde o
fim do bloco soviético e da
abertura dos arquivos da Europa Oriental.
Também contribuiu o aumento de pressão, por exemplo, com a recuperação de
obras de arte roubadas pelos
nazistas ou pelas indenizações
aos trabalhadores escravizados. Essas questões, de diferentes maneiras, forçaram as sociedades a reabrir períodos negros de suas próprias histórias.
FOLHA - Terrorismo e globalização
mudaram a "percepção" das pessoas em relação aos horrores da Segunda Guerra?
KERSHAW - Não acho que a globalização e o terrorismo alteraram significativamente a percepção em relação à Segunda
Guerra. Qualquer reflexão ainda considera essa guerra, e o genocídio que fez parte dela, como a era definidora do século
20. Contudo, o aniversário de
60 anos do fim da guerra, em
2005, marcou, de alguma forma, uma cesura. A geração que
lutou na guerra ou que a vivenciou está morrendo.
Isso significa que a Segunda
Guerra não está mais presente
na memória como já esteve. Ao
mesmo tempo, desde o 11 de Setembro, entramos em uma nova era, dominada pela ameaça
do terrorismo global e por
questões que têm a ver com o
Oriente Médio e que não são
determinadas pelo legado da
Segunda Guerra.
As TVs e os jornais abordam
diariamente o terrorismo. Conseqüentemente, a Segunda
Guerra está em algum grau sendo apagada da consciência.
Mesmo assim, ainda que não
esteja presente na consciência
como antes, a "percepção" em
relação a ela mudou pouco.
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