São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2002 |
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Os escritores Philippe Sollers e Cees Nooteboom discutem a necessidade de abandonar a idéia de uma grande Europa Uma democracia de detalhes do "Le Monde"
Dois escritores da mesma geração, que reivindicam uma cultura, dialogam a seguir não sobre uma Europa abstrata, mas sobre a "democracia de detalhes" e a arte de viver em um
continente em acelerada transformação.
Nooteboom - Os franceses deveriam compreender quem de fato são. Não é o caso, e são os francófilos externos, como eu, que querem saber o que se passa. Sollers - Cees Nooteboom, você disse não ser derrotista, mas em "L'Enlèvement d'Europe" (O Sequestro da Europa) você escreveu que "devemos retomar nossa Europa antes que seja tarde"... Nooteboom - Sim, mas depois de tê-lo escrito fui engolido pela Europa institucional e me senti... Sollers - Tratado como uma "garota de programa". Nooteboom - Exatamente. Não se pode passar a vida sendo europeu, isso seria como um falso dublê de mim mesmo, e os esforços de imaginação das pessoas para encontrar suas ligações com a Europa são infinitos. Sollers - Nós nos encontramos em Amsterdã, uma noite. Hoje nos reencontramos e começamos imediatamente a conversar, enquanto os fotógrafos trabalhavam. Queria falar com Nooteboom de sua formação entre os agostinianos, sua paixão pela pintura de Zurbaran, sua vida nas ilhas Baleares. É isso que importa. O interessante é a maneira de viver. Como ele vai de lugar a lugar, de Amsterdã à sua ilha, na mais completa solidão. Isso é europeu, poder passar de uma cena a outra não como turista, mas como habitante permanentemente estrangeiro. Nooteboom - Cada vez mais. Sollers - Depois, evocamos um personagem de seu último livro, "Dia de Finados", Arno, que não deixa de ter pontos em comum com o filósofo Rudiger Safranski. Nooteboom - Estou em uma abadia beneditina... Converso com um filósofo alemão, Safranski, que me fala de outro filósofo alemão, Heidegger, e depois conto a história a um escritor francês. É esse o gênero de diálogo que não poderia acontecer em um colóquio. Entre escritores, encontros individuais são precisos. Não é possível tê-los com muita frequência, mas os livros também servem como encontro. Sollers - Se eu tivesse tempo, insistiria nessa "Europa policromática" que Nooteboom evoca. A Europa de que se fala em termos abstratos é monocromática. A Europa dos intercâmbios organizados. Nós nos interessamos pelos detalhes, por determinados gostos, linguagens, poesia, em resumo, pela arte de viver. É isso que precisa não ser revivido ou renascer, mas sim ser divulgado. É preciso abandonar o conceito vago de uma grande Europa unificada e ver que tudo acontece nos detalhes. O destino da Europa é ser uma democracia de detalhes, culturas, religiões... Nooteboom - Acabo de visitar uma exposição sobre a Europa Central, em Berlim. Isso nos ajuda a tomar consciência dos tesouros da Europa, tesouros ressurgidos de países como a ex-Tchecoslováquia. Trata-se de uma herança que é preciso retomar. Após 50 anos de barbárie, é preciso não recomeçar, mas continuar. Pergunta - A idéia dessa Europa é a possibilidade de que um indivíduo encontre outro indivíduo. Para além da prescrição social. Se visão de mundo pressupõe que tudo seja social, no fundo não há Europa. Por fim, uma adivinha: a propósito de qual de vocês foi escrito o seguinte: "Em sua lira, seus arpejos de virtuoso, seus engastes, suas falsas confianças... está sua maneira inimitável de cativar o leitor"... Nooteboom - "... às vezes temos a impressão de que o brilho da forma, a riqueza da invenção o conduzem por sobre a solidez do discurso". Sollers - Ah, esse devo ser eu. Nooteboom - Não, é o que um holandês escreveu sobre o meu trabalho. Está na crítica do "Le Monde" sobre "L'Enlèvement d'Europe", em 9 de dezembro de 1994. Sollers e Nooteboom (rindo) - Não é uma demonstração perfeita? Entrevista concedida a Josyane Savigneau. Tradução de Paulo Migliacci. Texto Anterior: Timothy Garton Ash: Um projeto chamado Europa Próximo Texto: + brasil 502 d.C. - Luiz Costa Lima: O estado da universidade brasileira Índice |
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