São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2002 |
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+ brasil 502 d.C. O estado da universidade brasileira
Luiz Costa Lima
Se não nos contentarmos com o óbvio, haveremos, em algum momento, de nos perguntar: como se explica o massacre das instituições acadêmicas e o silêncio das TVs? Uma primeira maneira de tentar entendê-los combinaria, por um lado, um vetor financeiro -o custeio das universidades é caro- e, por outro, um vetor "comunicacional" -sua discussão não afeta a grande massa, aquela de que dependem os níveis de audiência e os votos que contam. O vetor financeiro engrossa a voz pelo reforço de outro argumento: procura-se compensar o encolhimento das verbas federais pela participação de grandes empresas no financiamento das "pesquisas úteis". Ora, como saberá qualquer pessoa razoavelmente informada, em nenhum país as grandes empresas financiam pesquisas, salvo aquelas que digam respeito a seu bolso. A idéia, difundida por nossos meios de comunicação, de que a universidade norte-americana é basicamente privada é uma balela tão gritante que custa crer que não seja proposital. Descoberta do Brasil O exame da situação se torna mais premente se ainda se consideram outros fatores. O primeiro, usando as palavras de Reinaldo Guimarães, "é o papel da pesquisa acadêmica no desvendamento do próprio país, na permanente "descoberta do Brasil'". Confiar a pesquisa acadêmica a instituições de ensino que mal pagam uma miserável hora-aula ou às verbas que lhe reservem alguma multiempresa só pode ser uma piada. A reflexão sobre o segundo fator é ainda mais grave: quando se lêem as instruções dos órgãos federais de incremento à pesquisa se mostra claramente que, para seus responsáveis, pesquisa é uma atividade que se confunde com a ciência, dito melhor, com as chamadas ciências duras. Alguém poderá dizer que assim é e deve ser, pois são as ciências duras (se preferirem, sejam elas chamadas exatas) que comandam o mundo; que, apesar de sermos um país periférico, não podemos mais do que seguir sua lição. Embora pudesse contestar que a "permanente descoberta do Brasil" não depende tão-só das ciências duras, a réplica principal não seria essa. Para formulá-la, recorro a comentário do conhecido cientista Stephen Jay Gould sobre livro recém-lançado: "A ciência clássica, com suas preferências pela redução a uns poucos fatores controlantes da causalidade, teve enorme êxito em sistemas relativamente simples como o movimento planetário e a tabela periódica dos elementos. Mas fenômenos irredutivelmente complexos, ou seja, os mais interessantes fenômenos da biologia, da sociedade humana e da história, não podem ser assim explicados" ("The New York Review of Books", 29/11/2001). Caráter trivial A afirmação não chega a ser nova. Tanto assim que é agora usada como publicidade. Mas o que nos importa aqui é mesmo seu caráter quase trivial. Note-se que Gould não restringe os fenômenos complexos a uma área reconhecidamente científica, como a da biologia, senão que inclui a sociedade humana e a história. O que então se constata senão o provincianismo dos responsáveis pela mesquinharia com que se trata a universidade? O reconhecimento dos sistemas complexos põe em xeque o que se costuma reconhecer como ciência exata (!) e mais do que isso: mostra que já não há razão para que se tenha a ciência como o único discurso socialmente legitimável. Ora, é no exato instante em que essa compreensão se amplia que o governo brasileiro decide ou atua como se houvesse decidido destroçar o campo de pesquisa nacional. A tal ponto isso é escandaloso que esfrego os olhos e me digo: não, só posso estar enganado. Mas por que os responsáveis não dizem o que pretendem? É a arrogância de seu silêncio que nos convence de que a verdade está no óbvio: sim, se pretende "substituir" a universidade pública brasileira. Como se manter indiferente diante desse quadro? Luiz Costa Lima é ensaísta, crítico e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), autor de "Vida e Mímesis" (ed. 34) e "Mímesis - Desafio ao Pensamento" (Civilização Brasileira), entre outros. Escreve a cada dois meses na seção "Brasil 502 d.C.". Texto Anterior: Uma democracia de detalhes Próximo Texto: + autores - Slavoj Zizek: O melodrama do conhecimento Índice |
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