São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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Desigualdade de origem

Evolução em qualidade e expectativa de vida contrasta com a continuidade da alta concentração de renda

DA SUCURSAL DO RIO

O s níveis de desigualdade de renda, ao menos aqueles captados pelo índice de Gini, não são muito diferentes quando se comparam sociedades pré-industriais com nações modernas. A maneira como cada elite explora os recursos possíveis, no entanto, variou bastante, assim como também mudou, para melhor, o padrão de desigualdade na esperança de vida.
São essas as principais conclusões do estudo "Medindo a Desigualdade Antiga", de Branko Milanovic, Peter Lindert e Jeffrey Williamson.
Como não existiam em economias antigas pesquisas domiciliares para aferir a renda da população, a saída encontrada pelos pesquisadores foi estimar a distribuição dos rendimentos a partir de listas de ocupações nessas sociedades.
Para cada profissão, e onde era possível, foram estimados os salários médios e, levando em conta o número de pessoas naquela ocupação, os autores calcularam, pelos mesmos critérios utilizados no índice de Gini, a distribuição da riqueza.
Nessa comparação, a desigualdade nas sociedades pré-industriais variou de um patamar de 24,5 pontos no Gini (quanto mais próximo de cem, maior a concentração) verificado na China em 1880 para 52,5 pontos registrados no território da Velha Castela (parte hoje da Espanha) em 1752.
Essa variação não é muito distinta da encontrada hoje em sociedades modernas. A Suécia, por exemplo, apresentava em 2000 um Gini de 27,3 pontos, enquanto o do Brasil chegava a 58,8 em 2002.
O que variou bastante de acordo com os achados de Milanovic e sua equipe, no entanto, foi a maneira como as elites do passado e do presente se beneficiam da desigualdade.
Para isso, os pesquisadores estimaram, para cada sociedade, qual seria o maior índice de Gini possível caso toda a riqueza excedente fosse apropriada por uma pequena elite ao mesmo tempo em que a maioria da população fosse mantida com uma renda média apenas suficiente para subsistir.
Ao relacionar o índice de Gini verificado e o estimado no caso de máxima desigualdade suportada por aquela sociedade, os autores chegaram a um indicador que denominaram taxa de extração da desigualdade. Um valor de 61% para o Império Romano no ano 14 d.C. significa, segundo as estimativas do estudo, que a elite daquela sociedade extraía 61% da desigualdade possível.
Em alguns casos, os valores superaram 100% -ou seja, a desigualdade máxima estimada era menor do que a efetivamente calculada.
Milanovic explica que isso pode acontecer por duas razões: a estimativa da renda mínima para uma família sobreviver foi superestimada no momento do cálculo ou aquelas elites realmente extraíam naquele momento mais do que a sociedade conseguia suportar.
A partir desse cálculo, os pesquisadores concluem que as elites em sociedades pré-industriais eram muito mais exploradoras do que as atuais.
Eles lembram que nessa comparação é preciso levar em consideração que as sociedades modernas são muito mais ricas. Quanto mais riqueza uma economia produz, mais excedentes haverá. Isso permite, pela lógica do estudo, que as elites atuais extraiam menos da desigualdade possível sem alterar o padrão de desigualdade calculado pelo Gini.
Um dos casos citados para exemplificar essa mudança foi justamente o do Brasil. Em 1872, pelas estimativas feitas no estudo, o índice de Gini era de 43,3 pontos. Em 2002, ele chegou a 58,8 pontos. A desigualdade, portanto, olhando apenas para esses números, teria aumentado.
No entanto, quando se consideram as taxas de extração de desigualdade nesses dois períodos, os autores argumentam que a elite brasileira é hoje menos exploradora.
Em 1872, o Gini registrado representava 74% do máximo estimado. Em 2002, esse percentual caiu para 63%. Trata-se ainda, no entanto, de um percentual elevado em comparação com outros países. A média dos países ricos, hoje, é estimada em 33,2%.
"A desigualdade brasileira, quando medida pelos métodos convencionais, aumentou, o que é muito decepcionante. No entanto, é preciso lembrar que a renda média brasileira foi multiplicada por seis de 1872 a 2002, o que aumenta significativamente o potencial de extração do excedente pela elite [se há mais riqueza, há, potencialmente, mais excedentes para serem apropriados pela elite]. No entanto, a taxa de extração da desigualdade caiu. Isso provavelmente aconteceu graças ao processo de democratização", afirma Milanovic.

Discordâncias
O método usado pelos autores para estimar a desigualdade em sociedades antigas não é consensual entre pesquisadores. Para o historiador da UFRJ Manolo Florentino, o método é engenhoso, mas frágil.
"É extremamente difícil definir perfis profissionais ou ocupacionais em sociedades escravistas pelo simples motivo de que em sociedades assim todos fazem tudo ou se dizem capazes de fazer tudo, ao contrário de sociedades gremiais como as européias", diz Florentino.
Os autores do estudo tentaram comparar a expectativa de vida em diferentes sociedades. Nesse caso, concluíram que houve avanços significativos, a ponto de os países de hoje com piores números de esperança de vida ao nascer apresentarem níveis melhores que as nações mais ricas do passado.
Para os autores, há evidências de que não só houve diminuição na desigualdade na expectativa de vida em países pobres como entre indivíduos ricos e pobres dentro de cada nação. "Nós vivemos hoje num mundo em que as nações não mais diferem entre si em termos de expectativa de vida, como no passado. O principal elemento a diferenciar os países hoje é a qualidade de vida." (AG)


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