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Desigualdade de origem
Evolução em qualidade e expectativa de vida contrasta com a continuidade da alta concentração de renda
DA SUCURSAL DO RIO
O
s níveis de desigualdade de renda,
ao menos aqueles
captados pelo índice de Gini, não
são muito diferentes quando se
comparam sociedades pré-industriais com nações modernas. A maneira como cada elite
explora os recursos possíveis,
no entanto, variou bastante, assim como também mudou, para melhor, o padrão de desigualdade na esperança de vida.
São essas as principais conclusões do estudo "Medindo a
Desigualdade Antiga", de Branko Milanovic, Peter Lindert e
Jeffrey Williamson.
Como não existiam em economias antigas pesquisas domiciliares para aferir a renda
da população, a saída encontrada pelos pesquisadores foi estimar a distribuição dos rendimentos a partir de listas de
ocupações nessas sociedades.
Para cada profissão, e onde
era possível, foram estimados
os salários médios e, levando
em conta o número de pessoas
naquela ocupação, os autores
calcularam, pelos mesmos critérios utilizados no índice de
Gini, a distribuição da riqueza.
Nessa comparação, a desigualdade nas sociedades pré-industriais variou de um patamar de 24,5 pontos no Gini
(quanto mais próximo de cem,
maior a concentração) verificado na China em 1880 para 52,5
pontos registrados no território da Velha Castela (parte hoje
da Espanha) em 1752.
Essa variação não é muito
distinta da encontrada hoje em
sociedades modernas. A Suécia, por exemplo, apresentava
em 2000 um Gini de 27,3 pontos, enquanto o do Brasil chegava a 58,8 em 2002.
O que variou bastante de
acordo com os achados de Milanovic e sua equipe, no entanto, foi a maneira como as elites
do passado e do presente se beneficiam da desigualdade.
Para isso, os pesquisadores
estimaram, para cada sociedade, qual seria o maior índice de
Gini possível caso toda a riqueza excedente fosse apropriada
por uma pequena elite ao mesmo tempo em que a maioria da
população fosse mantida com
uma renda média apenas suficiente para subsistir.
Ao relacionar o índice de Gini verificado e o estimado no
caso de máxima desigualdade
suportada por aquela sociedade, os autores chegaram a um
indicador que denominaram
taxa de extração da desigualdade. Um valor de 61% para o Império Romano no ano 14 d.C.
significa, segundo as estimativas do estudo, que a elite daquela sociedade extraía 61% da
desigualdade possível.
Em alguns casos, os valores
superaram 100% -ou seja, a
desigualdade máxima estimada era menor do que a efetivamente calculada.
Milanovic explica que isso
pode acontecer por duas razões: a estimativa da renda mínima para uma família sobreviver foi superestimada no momento do cálculo ou aquelas
elites realmente extraíam naquele momento mais do que a
sociedade conseguia suportar.
A partir desse cálculo, os pesquisadores concluem que as
elites em sociedades pré-industriais eram muito mais exploradoras do que as atuais.
Eles lembram que nessa
comparação é preciso levar em
consideração que as sociedades
modernas são muito mais ricas. Quanto mais riqueza uma
economia produz, mais excedentes haverá. Isso permite,
pela lógica do estudo, que as
elites atuais extraiam menos
da desigualdade possível sem
alterar o padrão de desigualdade calculado pelo Gini.
Um dos casos citados para
exemplificar essa mudança foi
justamente o do Brasil. Em
1872, pelas estimativas feitas
no estudo, o índice de Gini era
de 43,3 pontos. Em 2002, ele
chegou a 58,8 pontos. A desigualdade, portanto, olhando
apenas para esses números, teria aumentado.
No entanto, quando se consideram as taxas de extração de
desigualdade nesses dois períodos, os autores argumentam
que a elite brasileira é hoje menos exploradora.
Em 1872, o Gini registrado
representava 74% do máximo
estimado. Em 2002, esse percentual caiu para 63%. Trata-se ainda, no entanto, de um
percentual elevado em comparação com outros países. A média dos países ricos, hoje, é estimada em 33,2%.
"A desigualdade brasileira,
quando medida pelos métodos
convencionais, aumentou, o
que é muito decepcionante. No
entanto, é preciso lembrar que
a renda média brasileira foi
multiplicada por seis de 1872 a
2002, o que aumenta significativamente o potencial de extração do excedente pela elite [se
há mais riqueza, há, potencialmente, mais excedentes para
serem apropriados pela elite].
No entanto, a taxa de extração
da desigualdade caiu. Isso provavelmente aconteceu graças
ao processo de democratização", afirma Milanovic.
Discordâncias
O método usado pelos autores para estimar a desigualdade
em sociedades antigas não é
consensual entre pesquisadores. Para o historiador da UFRJ
Manolo Florentino, o método é
engenhoso, mas frágil.
"É extremamente difícil definir perfis profissionais ou ocupacionais em sociedades escravistas pelo simples motivo de
que em sociedades assim todos
fazem tudo ou se dizem capazes
de fazer tudo, ao contrário de
sociedades gremiais como as
européias", diz Florentino.
Os autores do estudo tentaram comparar a expectativa de
vida em diferentes sociedades.
Nesse caso, concluíram que
houve avanços significativos, a
ponto de os países de hoje com
piores números de esperança
de vida ao nascer apresentarem
níveis melhores que as nações
mais ricas do passado.
Para os autores, há evidências de que não só houve diminuição na desigualdade na expectativa de vida em países pobres como entre indivíduos ricos e pobres dentro de cada nação. "Nós vivemos hoje num
mundo em que as nações não
mais diferem entre si em termos de expectativa de vida, como no passado. O principal elemento a diferenciar os países
hoje é a qualidade de vida."
(AG)
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