São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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A Chiquita bacana

Pioneira em técnicas de marketing, empresa explorou imagem de Carmen Miranda nos EUA

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

Ao contar a trajetória da United Fruit, empresa que popularizou a banana no Primeiro Mundo com alto custo político para a América Central, o jornalista Peter Chapman usa uma multinacional do passado para nos lembrar do capitalismo contemporâneo.
"É errado supor que hoje as coisas são mais limpas", disse à Folha o autor de "Jungle Capitalists" (Capitalistas da Selva, Canongate Books, 220 págs., ú10,99, R$ 43).
Imersa em má popularidade devida a escândalos políticos e em prejuízos, a United Fruit foi transformada em United Brands nos anos 1970, e a herdeira da marca atualmente é a Chiquita Brands (leia quadro ao lado).
Chapman, que foi correspondente da rede BBC na América Central no final dos anos 70 e início dos 80 - à época das guerras civis em El Salvador e na Guatemala- fala do legado político e cultural da multinacional bananeira na região e no mundo.

 

FOLHA - Como compara a United Fruit às multinacionais de hoje?
PETER CHAPMAN -
Em 2004, houve um tentativa de golpe de Estado na Guiné Equatorial -o filho da premiê britânica Margaret Thatcher [Mark] estava envolvido, e foi embaraçoso.
É um país pequeno com muito petróleo, embora não haja como garantir que empresas petrolíferas estivessem envolvidas, mas, se estas tivessem sucesso, seria quase uma tentativa de copiar o que a United Fruit de fato fez em Honduras, em 1911.
Não sabemos tudo o que fizeram -a United Fruit tinha forte influência em Washington. Hoje, por exemplo, há suspeitas quanto a quem está faturando com a reconstrução do Iraque.
Há acusações contra o vice-presidente [Dick Cheney] e Donald Rumsfeld [ex-secretário de Defesa], ambos com passado de sucesso nos negócios. Ouve-se falar em corrupção, em suborno.
Gostamos de dizer que hoje as coisas são diferentes, mas é errado supor que sejam mais limpas. Mesmo o conceito de "responsabilidade social corporativa" teve a United Fruit como pioneira. Ela era filantrópica, o que não a impediu de cometer abusos.

FOLHA - Um membro da United Fruit cunhou a expressão?
CHAPMAN -
A expressão foi "quase" inventada por Eli Black, então presidente da United Fruit, em 1972, quando a empresa deu dinheiro para ajudar a Nicarágua após um terremoto.
"Essa é nossa responsabilidade social", escreveu no relatório anual. No início do século 20, a United Fruit deu recursos para ajudar a Guatemala, ruínas arqueológicas, construiu orfanatos em Nova Orleans, patrocinou bolsas acadêmicas. É conveniente olhar para uma empresa dessas e classificá-la como "má". Mas, em seu tempo, personalidades das mais importantes a apoiavam.
No final, os EUA começaram a ouvir o que a América Latina tinha a dizer sobre sua sujeira.

FOLHA - Qual foi a ação da United Fruit naqueles países?
CHAPMAN -
Em 1911, pessoas ligadas à United Fruit invadiram Honduras, derrubaram o governo e puseram um aliado no poder [Manuel Bonilla, eleito em pleito organizado pelo governo provisório indicado pelos EUA].
Em 1928, o famoso massacre na Colômbia -mencionado em "Cem Anos de Solidão"-, em que cerca de mil pessoas foram mortas pelo Exército colombiano, seguia os interesses da United Fruit. Garcia Márquez nasceu nesse ano na região bananeira da Colômbia e ouviu essas histórias.
Na Guatemala também houve interferências -menores.

FOLHA - Como a propaganda da United Fruit afetou o imaginário no Primeiro Mundo?
CHAPMAN -
Certamente foi importante. No Reino Unido, a United Fruit foi pioneira em muitas áreas, por exemplo marketing e "branding", muito incipientes nos anos 1940-60.

FOLHA - Qual foi a contribuição do publicitário Edward Bernays nisso?
CHAPMAN -
Ele foi contratado durante a Segunda Guerra para melhorar a imagem da United Fruit, cuja má-fama ameaçava chegar aos EUA, especialmente depois do desentendimento com [o presidente] Roosevelt, quando ela queria vender banana para a Alemanha de Hitler.
Bernays trabalhara para companhias de tabaco. Ele sabia vender as coisas não apenas por sua utilidade. Não foi ele quem criou a personagem Chiquita Banana, mas estimulou a idéia de associar a venda ao desejo, ao sonho.
A United Fruit claramente tomou emprestada a imagem de Carmem Miranda, uma mulher sorridente, em países do Sul que ninguém conhecia exceto por cruzeiros.

FOLHA - Por que a banana e não qualquer outra fruta?
CHAPMAN -
É uma combinação de circunstâncias. Quando Minor Keith, um dos fundadores da United Fruit, procurava modos de financiar a construção de sua estrada de ferro na Costa Rica, ele plantou bananeiras ao longo da ferrovia.
Se ele visse um abacaxi naquele lugar, seria a mesma coisa? Não sei. Ele começou a exportar bem na hora em que os EUA se tornararam a potência industrial mundial, quando os EUA tinham dinheiro para investir, após a Guerra de Secessão, quando a infra-estrutura estava ficando pronta para importar bananas.
A United Fruit fez o preço do produto cair, de modo que a classe trabalhadora também teve acesso.

FOLHA - Pode definir "República das Bananas"?
CHAPMAN -
Eu não gosto de usar o termo da maneira freqüente no Ocidente, como uma piada. É um tipo de ditadura provavelmente corrupta, provavelmente dependente de grandes forças externas, sejam elas capital internacional ou governos estrangeiros.
Não precisa produzir muita banana: a Nicarágua, por exemplo, não produz comercialmente muitas bananas, mas teve um governo -o Samoza [a ditadura da família Samoza durou de 1937 a 1978]- que era 100% pró-americano e extremamente dependente dos EUA.

FOLHA - E como a imagem da banana ficou associada aos países pobres? Foi a United Fruit?
CHAPMAN -
Sim, a United Fruit ajudou a criar o conceito de República das Bananas. Antes dela, a banana não era o negócio que é hoje. A importância da banana vinha crescendo, mas foi a United Fruit quem a levou a uma escala industrial -e fez alguns países dependentes.


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