São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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Livros

Aqui jaz uma ideologia

"Frutos Estranhos", do cientista social Kenan Malik, ataca os efeitos perversos do multicultura-lismo e prevê seu fim

STEPHEN CAVE

Está sendo preparado o funeral do multiculturalismo. Alguns acham que ele caiu juntamente com as torres gêmeas. Outros pensam que ele sangrou até morrer com Theo van Gogh, o crítico assassinado por um muçulmano holandês em Amsterdã.
No Reino Unido, o multiculturalismo talvez tenha voado pelos ares no atentado ao metrô em 7 de julho de 2005, pelas mãos de quatro homens -todos criados no Reino Unido. Três anos depois de tudo isso, Kenan Malik, um dos mais inteligentes de nossos críticos sociais, escreveu o obituário.
Em seu novo livro "Strange Fruit - Why Both Sides Are Wrong in the Race Debate" (Frutos Estranhos - Por Que os Dois Lados Estão Errados no Debate Racial, Oneworld Publications, 288 págs., 18,99, R$ 61), Malik afirma, para começar, que o conceito de raça não é científico e, em seguida, que o multiculturalismo é culpado de reforçá-lo, acarretando conseqüências graves para nossa sociedade.

Raça inferior
Malik abre seu livro com a alegação infame de James Watson, co-descobridor do DNA, de que os africanos têm inteligência inferior à "nossa".
Não apenas nossos genomas são virtualmente idênticos como as diferenças que ocorrem existem em grande quantidade no interior das populações.
Em outras palavras, se a humanidade inteira fosse exterminada, com a exceção de uma única tribo pequena, virtualmente todas as variações genéticas continuariam a existir.
Todos nós sabemos diferenciar um inuíte de um etíope, mas, deixando de lado suas características superficiais, as categorias amplas e inconsistentes de raça constituem um guia falho às diferenças genéticas.
Então por que, já que o conceito está tão desacreditado, continuamos a pensar em termos raciais?
Devido ao culto ao multiculturalismo, afirma Malik. Enquanto no passado os pensadores progressistas defendiam que se desse tratamento igual a todos, apesar de suas diferenças, hoje eles advogam tratar as pessoas diferentemente em razão de suas diferenças.
Esse respeito equivocado pela diversidade nos leva a atribuir uma marca, como uma cor ou um credo, a comunidades que são complexas.
A conseqüência disso não é apenas a divisão da sociedade segundo critérios étnicos, como também o fortalecimento das forças conservadoras internas às comunidades.

Rumores exagerados
Desse modo convertemos os mulás em porta-vozes de pessoas que, anteriormente, talvez tenham visto seu legado islâmico como não mais que uma parte de sua identidade.
Os rumores sobre a morte do multiculturalismo são exagerados, sem dúvida.
Mesmo assim, nos círculos intelectuais é considerado elegantemente arriscado criticar o movimento, e algumas dessas críticas se aproximam perigosamente da xenofobia.
Não é o caso de Malik. Seu tom é comedido, e seus argumentos são bem-fundamentados. Lúcido e importante, seu livro é alicerçado na crença fundamental na dignidade humana universal.


Este texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Clara Allain.

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